Pedro do Coutto
Reportagem de Francisco Leali, O Globo desta terça-feira, coloca em grande destaque a decisão do Exército que impôs o sigilo de cem anos para divulgação do processo que avaliou que Eduardo Pazuello não cometeu indisciplina e nem infringiu a lei com a sua presença na caravana de motociclistas no Rio de Janeiro ao lado de Jair Bolsonaro. Participou da reportagem Dimitrius Dantas.
O que os repórteres queriam saber era a respeito do conteúdo que marcou a reunião do Alto Comando que afastou qualquer hipótese de punição ao ex-ministro da Saúde. Pela legislação em vigor existem assuntos que são resguardados, segundo a matéria, pelo período de um século.
URNAS E ARMAS – A meu ver, há um sinal claro de que Bolsonaro avançou na rota militar, passando assim a desenvolver dois projetos políticos: o caminho das urnas e o caminho das armas. É mais do que evidente que o projeto do bolsonarismo é ocupar o poder no Brasil por um largo espaço de tempo. Não que haja algo que possa ser mantido em segredo por um século, não é esse o aspecto mais importante.
O aspecto mais importante está no posicionamento da área militar dando cobertura ao presidente da República ao mesmo tempo em que assegura uma imunidade do estatuto, aplicando-a ao general Eduardo Pazuello. Realmente não há como, pelo menos no momento, como se vencer a barreira estabelecida. A repercussão deverá ser muito grande e não sei porque só o Globo publicou esta matéria. O texto de Francisco Leali e Dimitrius Dantas deveria constar da edição online do jornal. Mas esta é outra questão.
A pesagem da importância das reportagens é um critério exclusivo dos editores. Aliás, a diferença entre o jornalismo, nele compreendidos os jornais impressos e as informações na internet, estabelece uma distância bastante grande. Já focalizei o assunto outras vezes, acentuando que os órgãos de imprensa e as emissoras de televisão seguem critérios traçados pelos respectivos editores. O que não se aplica às redes sociais da internet. Qualquer pessoa pode ter acesso e se manifestar como bem entender. Entretanto, a liberdade de expressão não representa por si só a condição de imunidade aos autores dos textos.
AUXÍLIO EMERGENCIAL – Mas eu disse que Bolsonaro desencadeia sua maratona em dois pólos. O pólo militar, que bloqueou as informações sobre as decisões do Alto Comando, e a determinação do próprio Bolsonaro de prorrogar o auxílio de emergência por mais dois meses porque terminaria no final deste mês a última parcela da emergência que foi destinada aos extremamente carentes que encontram dificuldades de todo tipo até para se alimentar, o que colide com a condição humana.
Mas a condição humana, como objetivo do governo, não é apenas um ato de socorro, trata-se também de um ato político para conter a perda de popularidade do governo, tendência registrada pelas últimas pesquisas do Datafolha. A prorrogação por dois meses para o auxílio de emergência está focalizada em reportagem de Idiana Tomazelli, do Estado de São Paulo de ontem.
Bolsonaro sabe que na primeira vez que se criou a disponibilidade financeira aos segmentos de baixíssima renda, ele melhorou a sua imagem nos redutos atingidos pela fome, o que faz parte da campanha eleitoral de um presidente cuja administração começou em 2019 e já no ano seguinte, em 2020, lançou-se candidato à reeleição nas urnas de 2022.
SEM PROJETO – A movimentação de Jair Bolsonaro revela que ele joga tudo em sua manutenção no poder. A democracia para ele é apenas um caminho, não é um princípio legítimo de governar o país. O seu governo continua sem projeto, permanece sem uma definição ideológica, a não ser a sua consolidação na direita e a sua preocupação em unir sua corrente com todas as outras que se opõem à atuação das faixas de esquerda, 95% das quais vinculadas ao centro-esquerda. Claro, porque ninguém poderá supor, o que seria uma absurdo, que João Doria, Tasso Jereissati, Marina Silva ou Ciro Gomes possam ser incluídos em posições extremistas.
Nessa altura dos acontecimentos, o extremismo é reservado para aqueles que buscam qualquer resultado desde que permaneçam no poder ou cheguem a ele de que forma for. O comunismo no mundo desabou desde o episódio do ultimato do presidente Kennedy ao líder da então União Soviética, Nikita Khrushchov. Foi o caso da retirada dos mísseis russos nas águas cubanas há 40 quilômetros da Flórida. A partir daí houve um encontro de posições, sendo que o capitalismo participou velozmente das decisões de Moscou e de Pequim.
“TIGRE DE PAPEL” – As linhas russas e chinesas cobrem hoje grande volume da riqueza mundial. Veja-se, por exemplo, as compras de obras de arte por empresários russos e chineses. O comunismo virou o “tigre de papel”, antiga expressão proferida por Mao Tsé-Tung no desafio da Guerra da Coreia. A Guerra do Vietnã viria dez anos depois dos mísseis em Havana. Aliás, devo frisar que no mundo só existe um sistema econômico: o capitalismo. A diferença é que uma coisa é o capitalismo privado, exemplo dos Estados Unidos, e o capitalismo praticado em Pequim e em Moscou.
A extrema-esquerda agora só se pratica em Cuba e na Coreia do Norte. De fato, a diferença situa-se entre um plano e outro, mas os métodos de ação são os mesmos, uma aproximação com o poder. A aproximação com o poder explica a influência da constelação de interesses de um lado e de outro.
Em relação à extrema-esquerda pode-se dizer e contrapor o título de Ian Fleming autor do 007: “Os diamantes são eternos”. Foi uma ilusão marxista acreditar que a humanidade pudesse viver sem as jóias da riqueza. Mas isso demonstra o fracasso de uma profecia. A realidade no campo político não é focalizada nitidamente pela profecia, ao contrário.
SUCESSÃO PRESIDENCIAL – O panorama está exposto, iluminado por um segredo de cem anos e que se aplica a um prazo de dois anos, tempo suficiente para ocorrer a sucessão presidencial no Brasil. Bolsonaro e os seus seguidores querem mudar a legislação e impor o voto impresso.
Trata-se de simples pretexto para o caminho e mais um período de poder, cujos defensores temem uma derrota para Lula da Silva. O sinal de alarme tocou e a corrida no convés também. Uma nau chamada democracia, sonho de todos nós, exceção de apenas uns poucos, pode não se confirmar no final da maratona brasileira.