José Carlos Werneck
O jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em artigo publicado nesta terça-feira no jornal “O Estado de S. Paulo”, explica, de maneira magnífica, um tema que tem sido muito comentado na mídia brasileira – as decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal.
O eminente professor emérito de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP destaca que “entre os fatos relevantes, seja política, seja juridicamente, que têm impactado a vida brasileira de modo profundo, incluem-se decisões monocráticas tomadas por eminentes membros do STF, com base em suas interpretações da Constituição (às vezes personalíssimas). Delas, algumas importam até em construções sutis e elaboradas de caráter doutrinariamente contestável. E, mais, chocam-se não raro com a jurisprudência do próprio Tribunal, tendo a semelhança com incoerência”.
PERPLEXIDADE – E acentua que tais decisões “geram insegurança jurídica, suscitam conflitos com autoridades e, pior, perplexidade entre o povo. Este, cego para sutis construções jurídicas – que às vezes nem juristas compreendem – as vê com espanto e, por ignorância, as suspeitam de atenderem a objetivos que não se enquadram na guarda da Constituição, tarefa cometida pela própria Lei Magna ao STF”.
“À guisa de exemplo, podem-se citar duas que ainda pendem de reapreciação. Ambas contrariando posicionamentos anteriores da Corte e às vezes do próprio prolator. Uma, anulando os processos criminais que condenam importante líder político, já ratificadas por tribunais que já as reviram tanto do ângulo da prova como do direito. Outra, com relação a medidas que podem ou não serem tomadas com relação à pandemia de Coronavírus. Estas, inclusive, põem em causa, a própria estrutura federalista do País”.
VALIDADE – Diz o jurista que “o impacto deriva do fato de que decisões monocráticas dos eminentes Ministros do STF têm força obrigatória até que haja a deliberação do Plenário. E às vezes não vem de pronto” e que “no caso de decisão pela inconstitucionalidade a questão se torna mais grave. Com efeito, para esta é exigido claramente pelo art. 97 da Constituição o apoio da maioria absoluta do Tribunal.
Nele está: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.
DOUTRINA AMERICANA – Quanto o que ocorre nos EUA, Ferreira Filho diz: “É o que os mestres americanos chamam da regra do Full bench. E a razão disto é óbvia. A importância das decisões sobre a Lei das Leis não precisa ser exaltada, nem a delicadeza de tais posicionamentos que afetam a vida nacional, assim não pode ficar na dependência da opinião de um só, por ilustrado que seja”.
E que, “sem dúvida pode haver razões relevantes e de urgência – como está no Regimento Interno da nossa Suprema Corte – que justificam a decisão liminar monocrática. Esta decisão – note-se – importa numa decretação – embora provisória, mas de caráter obrigatório para todos os demais Poderes, e suas autoridades, e para os juízos inferiores. Assim atingem a aplicação de leis votadas pelo Legislativo e sancionadas pelo Executivo, sustando a sua aplicação e como consequência afetando a atuação do Executivo. E, dada a estrutura federal do Brasil, elas têm alcance sobre leis e atos dos governos estaduais e municipais”.
“Ocorre, porém, que – como é típico do nosso país – o provisório tende a se tornar definitivo (pois há liminares que já foram editadas há vinte anos e não foram levadas à decisão do Plenário). Ou ao menos a perdurar por longo e longo tempo.”
TRÊS SUGESTÕES – E finaliza o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Tenho a ousadia trazer a debate algumas alternativas. Uma, drástica, é ficar prescrito que liminar em matéria constitucional tem de ser apreciada pelo Plenário em prazo breve (não ouso estipulá-lo) sob pena de caducar. Se a importância de evitar a violação é urgente, a de eliminá-la de vez também o é”.
“Outra é, numa emenda constitucional, despir-se o STF de competências outras que não as de guardião da Constituição. A Suprema Corte ganharia tempo para exercer sua função principal”.
“A última seria criar-se, como se faz pelo mundo afora, uma Corte constitucional, com a função exclusiva de guarda da Constituição. Isto, sem dúvida, colidiria com nossa tradição, pois tais Cortes têm membros com mandato limitado no tempo e são estes escolhidos, uns pelo Executivo, outros pelo Legislativo e outros tantos pelo Judiciário.”