Vera Rosa
Estadão
Na virada do ano, o presidente Jair Bolsonaro cruzou o Cabo das Tormentas e iniciou a segunda metade de seu mandato com a aprovação em queda nas redes sociais. A popularidade de Bolsonaro nas mídias digitais já vinha caindo e é atribuída por analistas dessas plataformas a uma tempestade perfeita que vai da economia à política, mas, principalmente, ao imbróglio relacionado à demora para a vacinação contra o novo coronavírus.
Com todo o mundo se imunizando e o Brasil no fim da fila, Bolsonaro paga o preço de seus desacertos e tenta vencer a crise no gogó, o que tem provocado pânico na equipe de comunicação. “Estou há quatro meses apanhando por causa da vacina”, disse Bolsonaro a apoiadores.
DEBOCHE – “Entre eu e a vacina tem a Anvisa. Eu não sou irresponsável. Não estou a fim de agradar quem quer que seja”, emendou ele. O presidente ironizou a taxa de eficácia da Coronavac, de 50,38%, comprada pelo governo de São Paulo, sob o comando de João Doria (PSDB), seu rival político.
A vacina é produzida pelo Instituto Butantã, de São Paulo, em parceria com o laboratório chinês Sinovac. “Essa de 50% é uma boa? Agora estão vendo a verdade”, provocou o presidente. Doria aproveitou a deixa para dar uma estocada no adversário. “Enquanto brasileiros perdem vidas e empregos, Bolsonaro brinca de ser presidente”, reagiu o tucano.
Bem longe do palanque montado para a disputa presidencial de 2022, porém, está a triste realidade. O estoque de oxigênio acabou em hospitais de Manaus, levando pacientes à asfixia, mais de 200 mil brasileiros já morreram em consequência dos efeitos da covid-19 e o País não consegue sair da crise.
“DIA D E HORA H” – Nesta quinta-feira, 14, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse a prefeitos que o “Dia D e a Hora H” para o início da vacinação será o próximo dia 20 – por coincidência, a mesma data da posse do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
O revés sofrido por Bolsonaro nas redes sociais, no entanto, não se resume ao impasse sobre a aquisição da vacina. Monitoramento em tempo real feito pela empresa AP Exata indica que a queda da popularidade do presidente no mundo virtual ocorre de forma consistente desde 6 de dezembro do ano passado e já ultrapassa 20 pontos. Nesta quinta-feira, 14, por exemplo, o número de menções positivas sobre Bolsonaro está em 36% e o de negativas chega a 64%.
A contestação a Bolsonaro cresce entre liberais e perfis ligados ao mercado financeiro. A pesquisa da AP Exata indica que existe, ainda, um ambiente de “falta de paciência” para o vaivém do governo na condução da economia e pressão por privatizações que não saem do papel. Cresce a percepção de que o presidente está mais preocupado em tomar medidas populistas para se reeleger e não dá trela ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
QUEDA DE BRAÇO – Enquanto isso, Bolsonaro continua sua queda de braço com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pede votos para o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), chefe do Centrão. A eleição que vai escolher os novos presidentes da Câmara e do Senado está marcada para fevereiro. O resultado desse confronto é o embrião da correlação de forças que pode se formar para a disputa de 2022 contra Bolsonaro.
Em outra frente da batalha, bolsonaristas que convivem com o chefe do Executivo incentivam os seguidores a migrar para mídias alternativas. Desde que Donald Trump foi derrotado por Biden na eleição para a Casa Branca e banido do Twitter após a invasão do Capitólio promovida por seus discípulos, Bolsonaro e ministros aderiram ao Telegram. Mesmo assim, não saíram dos canais de comunicação tradicionais, sob o argumento de que não podem professar sua fé apenas em “guetos”, como disse o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins.
“(…) Temos que brigar para fortalecer e popularizar plataformas alternativas sem deixar de brigar para preservar nosso espaço em plataformas tradicionais, nas quais há muita gente que não pode ser deixada à mercê da desinformação e das narrativas de esquerda”, escreveu Martins no Twitter.
TÁTICA – Na tentativa de puxar seguidores para o Telegram, o assessor Tercio Arnaud Tomaz – que integra o “gabinete do ódio” no Planalto e foi apontado pelo Facebook como responsável pela administração de perfis falsos – tem usado essa plataforma para divulgar conversas de Bolsonaro com eleitores.
Agora, a ala ideológica também faz apelos para que aliados do governo entrem em mídias como DuckDuckGo, no lugar do Google, e MeWe, em substituição ao Facebook, que suspendeu Trump. Nada disso, porém, resolverá a crise da comunicação enquanto o presidente não começar a governar, deixando para trás o Cabo das Tormentas.