Carlos Chagas
Acabou a crise entre Legislativo e Judiciário, com a retirada do recurso do já agora ex-senador Expedito Júnior e a visita do senador José Sarney ao presidente do Supremo Tribunal Federal?
Nem pensar. Encerrou-se apenas o episódio surrealista do descumprimento, por uma semana, da decisão judicial que cassou o representante de Rondônia. Permanecem, porém, as causas do confronto entre o Congresso e os tribunais superiores, com ênfase para a Justiça Eleitoral.
Teria o Judiciário competência para anular aquilo que a vontade popular decidiu, através de eleições democráticas? É claro fazer parte das atribuições da Justiça julgar e condenar cidadãos eleitos através da fraude, da compra de votos e sucedâneos. Só que depois da condenação o poder de cassar mandatos deveria pertencer à respectiva câmara do condenado. Seriam os representantes do povo a assumir a responsabilidade de afastá-lo.
Dar à justiça essa prerrogativa atropela o princípio maior da representatividade. Quando o Tribunal Superior Eleitoral condena um governador, deveria transferir para a Assembléia Legislativa a decisão final, da mesma forma como na condenação de um senador ou de um deputado, deixando que o Senado ou a Câmara assumissem o ônus da cassação.
Dirão muitos que o espírito corporativo dos políticos terminaria por anular as condenações judiciais, deixando de dar-lhes seqüência. Seria um risco a correr, mas evitaria a situação de cidadãos sem voto, os juízes, interferirem na soberana decisão do eleitorado. Além de impedir uma sucessão de soluções divergentes, porque num caso o Judiciário convoca o segundo mais votado, em outro determina a realização de novas eleições e num terceiro entrega o poder ao presidente da Assembléia Legislativa correspondente. Quer dizer, não há regras fixas, ficando cada caso à mercê da opinião de quem julgou os processos.
Existe um segundo fator a determinar o choque entre Judiciário e Legislativo. Pela inoperância deste, aquele ocupa espaços indevidos. À falta de uma legislação detalhada, a Justiça Eleitoral tem avançado além de suas atribuições. Trata-se da repetição daquela imagem popular de que “em casa onde não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Erra o Congresso por não votar as leis necessárias ao processo eleitoral e político, mas também erra o TSE ao determinar posturas e posicionamentos que caberiam apenas aos parlamentares ungidos pela vontade do eleitorado.
Tem saída? Pelo menos a curto prazo, não. Deputados e senadores, de um lado, ministros dos tribunais superiores, de outro, continuarão em confronto. A novela não acabou. Apenas, mudou de capítulo…
A alma dos telefones
Discursou o senador Cristóvan Buarque, do PDT, protestando contra a pouca atenção dada pelo governo à cultura nacional. Num arroubo de oratória, disse que o Brasil tem corpo, mas carece de alma. As realizações materiais se sucedem, a economia vai bem, mas falta ao país aquela característica fundamental que liga a sociedade aos governantes. Sem maciços investimentos na cultura a população continuará espectadora, jamais partícipe do desenvolvimento. Para exemplificar a imagem, o senador pelo Distrito Federal afirmou que os telefones, por exemplo, tem alma. Toda a parafernália eletrônica de que são constituídos os aparelhos só funciona pela vontade dos usuários de acioná-los…
Frente parlamentar do diploma
Está sendo constituída na Câmara a Frente Parlamentar do Diploma, grupo de deputados comprometidos em restabelecer por lei a exigência de curso superior para o exercício da profissão de jornalista. Nada mais justo, depois da discutível decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com o diploma.
Seria uma forma de interromper a perigosa progressão iniciada pela mais alta corte nacional de justiça. Porque já se fala na supressão do diploma para professor. Argumentam que como cada um tem o direito de escrever, também deve possuir a prerrogativa de ensinar, sem necessidade de passar pela faculdade.
Estão misturando as bolas. Não existe impedimento para quem quiser escrever e ter publicados seus escritos na imprensa. Poderá fazê-lo, como sempre pode, na condição de colaborador. Ser jornalista não é ser melhor nem pior do que escritor. Apenas é diferente, pois exige do profissional conhecimentos ordenados da prática da comunicação social, desde a edição, a diagramação e a seleção até política, economia, filosofia, ética, geografia e quanta coisa a mais, apreendida com mais sistematização nos bancos universitários.
Da mesma forma os professores. Todo mundo pode ensinar, desde o pai aos filhos, em casa, ao garçom do restaurante, o motorista do ônibus e a torcida do Flamengo inteira. Agora, para transmitir conhecimento ordenado aos alunos, o professor precisa capacitar-se. Aprender de que forma sensibilizará e irá interessar os jovens.
Só falta mesmo tentarem acabar com o diploma de médico e de advogado. Ou o açougueiro ali da esquina não é um craque na arte de cortar carne, assim como o camelô da avenida, um mestre na oratória?
Juristas de alto saber
Houve um presidente da República que nomeou para o Supremo Tribunal Federal o seu médico particular e um general seu amigo. Nada contra a honorabilidade dos dois, muito menos contra a capacidade do médico ao diagnosticar doenças e do general ao comandar a tropa. O diabo é que, de juristas de alto saber, não tinham nada.
O presidente era o marechal Floriano Peixoto, que assim agiu para menosprezar o Supremo. Havia mandado prender quatro deputados, coisa que a Constituição impedia. Quando Rui Barbosa entrou com habeas-corpus em favor dos detidos, um auxiliar indagou o que aconteceria caso o Supremo Tribunal Federal concedesse a liminar. Resposta do marechal: “e quem dará habeas-corpus ao Supremo?” É claro que o recurso foi negado, os deputados continuaram presos, Rui exilou-se na Inglaterra e um médico e um general foram nomeados para o Supremo…
Fonte: Tribuna da Imprensa
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