Dora Kramer
O Poder Executivo, a julgar pela opinião de seu representante maior, o presidente Luiz Inácio da Silva, não gosta do Tribunal de Contas da União. Já o Poder Legislativo tem motivos de sobra para adorar o tribunal que integra sua estrutura, abriga parlamentares e servidores de longevas carreiras que, quando podem, ainda retribuem a gentileza da indicação ao cargo vitalício.
É o caso da farra das passagens aéreas que sacudiu o Parlamento nos primeiros meses de 2009, fez parecer que dali para frente tudo seria diferente, mas terminou saindo de graça para quem usou e abusou das viagens de avião financiadas pelo Tesouro.
Há cerca de um mês, o TCU aprovou dois acórdãos condenando a prática por infração aos princípios da “moralidade, legalidade e impessoalidade” exigidos da administração pública e cobrando dos farristas a devolução do dinheiro equivalente às passagens distribuídas a parentes, amigos e correligionários.
Tudo muito correto, não fosse a decisão de deixar com o Congresso a tarefa de tomar as providências: levantar os gastos, apontar os responsáveis e cobrar o ressarcimento.
A resposta veio nesta semana: o arquivamento, pela Mesa Diretora da Câmara, do caso sem uma única punição, nem ao menos reles exigência de satisfação.
Ao contrário, a Câmara – no Senado nem no assunto mais se fala – deu-se por satisfeita com a “medida” que tomara anteriormente de restringir o uso das passagens ao parlamentar, cortar 20% do valor destinado a viagens e divulgar os dados na internet.
Quanto à infração apontada pela área técnica do TCU, ficou tudo por isso mesmo. O ministro-relator, Raimundo Carreiro – por 12 anos secretário-geral da Mesa do Senado –, ainda ressaltou o caráter “moralizador” do procedimento adotado pelo Congresso.
Deixou-se de lado a premissa básica de que o que não é nitidamente permitido em lei é obviamente proibido ao agente público para se adotar, tanto no tribunal como no Parlamento, a legalidade marota em sentido inverso: como nada proibia expressamente o uso das passagens para turismo do parlamentar, familiares e beneficiados de um modo geral, entendeu-se que era permitido.
Os técnicos do TCU não entenderam assim, aludiram em seus relatórios à ilegalidade patente e sugeriram que se fizesse uma auditoria em todos os bilhetes aéreos emitidos pela Câmara e pelo Senado nos últimos 20 anos.
Providência tão básica quanto óbvia se a ideia fosse corrigir a situação que se configurou um evidente desvio de dinheiro público. Mas, não, como estava quase todo o Congresso envolvido na história, incluindo os dois presidentes de ambas as Casas, a malfeitoria ficou na base do leite de pato: não valeu, saiu de graça e com o aval do Tribunal de Contas da União.
E, pelo menos até agora, sob silêncio reverencial do Ministério Público, cuja atribuição é defender a sociedade.
Malfeito
Não há mérito no recuo do Senado em relação ao cumprimento da ordem do Supremo Tribunal Federal para que fosse cumprida a sentença de cassação do senador Expedito Júnior por abuso do poder econômico na eleição de 2006.
Houve, sim, abissal demérito na decisão da Mesa Diretora em que sete senadores – incluído o presidente José Sarney, que não votou, mas compactuou – consideraram que um ato administrativo poderia se sobrepor a um mandamento da corte constitucional.
Os movimentos posteriores em direção ao contorno da crise, o senador José Sarney poderia, se quisesse, tê-los feito antes para evitar o vexame. Que ficou como marca indelével da ausência de noção de limite – para não dizer do ridículo – que assola a República e atravanca o Brasil.
Tiro ao “Álvaro”
Ainda que não consiga, como é bem provável, criar um novo órgão de fiscalização e legislação mais tolerante com os trâmites das obras governamentais, o presidente Lula já atinge um objetivo só com as reiteradas críticas aos excessivos entraves criados pelo Tribunal de Contas da União.
Elegeu um bode para lá na frente, quando for cobrado na campanha eleitoral, apontar como culpado pelo resultado minguado do PAC.
Avesso do avesso
O líder do PSDB no Senado, Artur Virgílio, corrobora o argumento do senador Eduardo Azeredo que cobra isonomia de tratamento com o presidente Lula em relação às denúncias do mensalão mineiro. “Se Lula pode dizer o famoso eu não sabia, Azeredo tinha de saber?”, indaga o líder, sepultando qualquer possibilidade de o PSDB criticar a desfaçatez do adversário.
O maior partido de oposição avaliza, assim, a tese do governo de que o PT só fez o que todo mundo faz. Com a agravante de que, no caso da cartilha Marcos Valério, o petismo aprendeu na escola em que o tucanato atuou como professor.
Fonte: Gazeta do Povo
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