Pedro do Coutto
A emoção popular autêntica e intensa marcou a posse de Lula da Silva pela terceira vez na Presidência do país. Não foi somente a multidão presente em torno do Palácio do Planalto e no Congresso. Foi a forma com que ela se manifestou em momentos que levou às lágrimas o próprio presidente ao abordar o desespero da fome.
A transferência de poder foi uma exceção histórica, como disse Merval Pereira em artigo ontem no O Globo, um presente de Jair Bolsonaro que, recusando-se a passar a faixa, permitiu que a mesma faixa que simboliza e sintetiza o poder presidencial fosse transmitida por representantes da sociedade brasileira carente e colocada no peito de Lula da Silva pela catadora de resíduos Aline Sousa, que trabalha na cidade de São Paulo.
REPRESENTATIVIDADE – No grupo que representou, na realidade, a maior parte da população do país, encontrava-se o metalúrgico Weslley Rocha do ABC e de onde o próprio Lula partiu para as suas vitórias que se acumulam nas urnas do passado e do presente, na véspera de um novo futuro.
Merval Pereira em seu ótimo artigo focaliza e acentua um ponto importante que vai se incorporar à memória política do país: viajando para os Estados Unidos e, portanto, não transmitindo a faixa presidencial, Bolsonaro proporcionou a Lula um belo momento que ficará na história. Entre os que transmitiram a faixa, estava também o professor Murilo Jesus, simbolizando uma categoria profissional indispensável e ao mesmo tempo não muito considerada na escala de valores da vida brasileira.
Um menino de 10 anos, Francisco Filho, ficou ao lado do presidente. A página de ontem ficará na história como um encontro emocionante e emocionado entre o poder político e o eleitorado popular que mais uma vez elegeu Lula da Silva em sua caminhada.
ISENÇÃO – Reportagem de Geralda Doca, Jussara Soares e Letícia Cardozo, O Globo, revela que o presidente Lula, ainda no domingo, assinou Medida Provisória mantendo a isenção de impostos sobre a gasolina por mais 60 dias e do óleo diesel por um ano.
Se não mantivesse, os preços subiriam imediatamente e politicamente não seria bom para o seu governo. São as curvas sinuosas da política, muito mais complexa do que se imagina, sujeita a ventos e pressões em praticamente todos os momentos.
DIREITA EXPLOSIVA – No espaço que brilhantemente ocupa no O Globo e na Folha de S. Paulo, Elio Gaspari, edição de domingo, escreveu sobre a explosiva direita brasileira e os problemas que criou ao longo da história moderna e que pretendia criar, mas não conseguiu, nas semanas que antecederam à posse de Lula da Silva, conduzido mais uma vez ao poder da Presidência da República, pelas urnas democráticas de 2022.
A direita explosiva no Brasil, assinala Gaspari, é título de um livro de José Argolo, Kátia Ribeiro e Luiz Alberto Fortunato, lançado em 1996, e que apresenta uma coleção de depoimentos fornecidos pelo coronel Alberto Fortunato, um dos principais personagens. Participou de trinta atentados através das circulações das quais integravam colegas de fardas, políticos e empresários. Foi uma sequência enorme de ações com mortes e tentativas de crimes das quais fez parte ativamente.
A bomba no Rio Centro, em 1981, foi um dos atentados, com consequências trágicas e que seriam maiores se a bomba não tivesse explodido no veículo em que se encontravam os autores da tentativa de homicídio coletivo. Uma segunda bomba escorregou do automóvel e não explodiu ao tocar o solo. Com o episódio, João Figueiredo, então presidente, perdeu parte de seu poder e o chefe da Casa Civil, general Golbery do Coutto, demitiu-se.
EXPOSIÇÃO – Em um dos episódios narrados por Gaspari, por acaso, eu estava presente. Visitava a exposição soviética no Rio em 1962, em companhia de meus amigos, quando apareceu esbaforido o governador Carlos Lacerda mandando fechar a exposição naquela noite e levando consigo especialistas para impedir a detonação e pessoas informadas sobre a bomba que não explodiu.
Lacerda temia que a bomba na exposição levasse o governo João Goulart a decretar a intervenção do Estado da Guanabara. Elio Gaspari forneceu o nome de quem teria colocado a bomba da morte no campo de São Cristóvão. A exposição soviética era consequência do reatamento de relações diplomáticas entre Brasil e Moscou determinado por Jango. Houve muitos ataques, a começar pelo próprio Carlos Lacerda. Hoje, a Rússia mantém relações comerciais e diplomáticas normais com o nosso país.
Naquela noite de 1962, telefonei para a Redação, falei com Edmundo de Castro, lendário secretário do jornal, e o Correio da Manhã publicou no dia seguinte, um domingo. O artigo de Elio Gaspari deve ser lido por todos e certamente será incorporado à história do Brasil. Entre os atentados citados na matéria, figura a bomba que explodiu nos jardins da casa do jornalista Roberto Marinho e das bombas que explodiram na sede da OAB do Rio de Janeiro e nas bancas de jornais. Os autores dos atentados estão citados para sempre.