Presidente de comissão da Câmara assume controle de R$ 45 milhões em emendas após votação relâmpago
Deputado Yury do Paredão cancela R$ 90 mi em indicações de colegas e causa revolta na Câmara
Por Raphael Di Cunto/Folhapress
23/12/2025 às 14:00
Atualizado em 23/12/2025 às 17:17
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados/Arquivo
O deputado federal Yury Do Paredão (MDB-CE)
Numa votação relâmpago, de menos de 10 segundos, feita no que seria a última sessão do ano, a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara cancelou na quarta-feira (17) R$ 90,2 milhões em emendas ao Orçamento propostas por 67 deputados e líderes partidários e redirecionou metade do dinheiro para indicações do presidente do próprio grupo, o deputado Yury do Paredão (MDB-CE).
O emedebista indicou R$ 44,5 milhões para municípios do Ceará, sua base eleitoral, com o remanejamento de verbas que antes eram de autoria de outros deputados ou partidos. Tiveram recursos cortados líderes de legendas como União Brasil, PP, Republicanos, Avante e Podemos. Até o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), teve suas propostas canceladas em R$ 7 milhões.
Os cortes beneficiaram com novas indicações o presidente da comissão e dois aliados dele: o líder do MDB na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões (AL), com R$ 30 milhões, e o presidente nacional do partido, o deputado Baleia Rossi (SP), com R$ 10 milhões. Com menos recursos (R$ 4,8 milhões), também foi atendido o presidente da Comissão de Saúde, Zé Vitor (PL-MG).
Descoberta pelo jornal Folha de S.Paulo, a manobra causou revolta na Câmara, e uma sessão para revogar o ato foi convocada às pressas na segunda-feira (22), quando o Congresso já estava praticamente de recesso após ter votado o Orçamento na última sexta-feira (19).
O plenário da comissão nesta segunda estava cheio de pó, com uma das portas de vidro substituída por um tapume e servidores convocados às pressas, quando Yury entrou e votou a nova planilha com indicações. A nova sessão durou menos de um minuto, com nenhum deputado no local além do próprio presidente, que dispensou o terno e gravata.
"Informo que a planilha encontra-se sobre a mesa. Coloco em discussão. Não havendo quem queira discutir, encerra a discussão. Coloco em votação. Aqueles que aprovam permaneçam como se encontram. Aprovada as planilhas", disse o emedebista, numa votação que, desta vez, durou exatos 16 segundos.
A nova planilha de indicações ainda não estava publicada no site, nem os parlamentares que são membros da comissão tinham acesso a ela, mas havia uma promessa de reenvio da planilha original. A votação ocorreu de forma remota, com a marcação de presença pelo celular, após reclamações dos deputados nos bastidores com o cancelamento de suas emendas.
"Eu não sabia, descobri agora. É uma atitude suja", afirmou o deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR), ao ser informado pela reportagem. Outros sete deputados, inclusive do MDB, responderam que também não tinham conhecimento da mudança e que não houve nenhum acordo para troca nas indicações.
O presidente da comissão atribuiu o cancelamento das emendas dos colegas a um erro da assessoria. "Creio que a assessoria confundiu isso com indicações anteriores. Essa ata vai ser tornada inválida", disse o emedebista. "Devem ter confundido a lista da liderança do MDB com a da comissão. Só fiquei sabendo hoje cedo [segunda]".
Um dos beneficiados pelo remanejamento das emendas, Zé Vitor disse que soube pela reportagem que a sugestão tinha sido aprovada. "Realmente protocolei uma proposta no sistema, mas me disseram que não se concretizou porque não tinha saldo suficiente."
Como as emendas de comissão são discricionárias, cabe ao Poder Executivo decidir se reserva recursos para executá-las ou se as ignora, mesmo que tenham sido aprovadas pelo Congresso. Isso é usado como moeda de troca com os congressistas para angariar apoio para a pauta de interesse do governo federal.
As emendas de comissão substituíram a extinta emenda de relator do Orçamento, declarada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2022 pela falta de transparência sobre o real padrinho político da indicação (que ficava escondido sob a classificação de que o autor era o relator do Orçamento). O mecanismo foi usado para distribuir verbas sob sigilo no governo Jair Bolsonaro (PL).
A emenda parlamentar é um instrumento usado por deputados e senadores para direcionar recursos públicos para obras e serviços em suas bases eleitorais. Parte delas está sob investigação, por suspeitas de desvios e fraudes. O ministro Flávio Dino, do STF, determinou em 2024 o bloqueio das emendas de comissão até que fossem adotadas regras de mais transparência e rastreabilidade.
O modelo adotado, no entanto, se mostrou inconsistente, como mostrou a Folha na semana passada, e mais de R$ 1 bilhão em dinheiro público continua aprovado sem que se saiba o real padrinho político da verba. Além disso, a divulgação das emendas referentes a 2025 mostra que os dados estão espalhados por mais de 40 arquivos nos sites das comissões da Câmara e do Senado, com erros de diagramação, links que dificultam a consulta e formatos que não permitem trabalhar as informações.
O sistema do governo também não permite saber quem teve as verbas pagas, já que o portal da Transparência indica a comissão como autora da indicação e oculta o nome do parlamentar.
A manobra na Comissão de Desenvolvimento Urbano às vésperas do recesso expõe ainda o pouco controle sobre o direcionamento de verbas milionárias por parte dos próprios parlamentares. As indicações são votadas em segundos pelas comissões, sem nenhum debate e sem que os próprios deputados conheçam as listas de obras, cidades e projetos contemplados com o dinheiro.
Congressistas dizem que o presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano provavelmente aproveitou propostas de outros deputados que não tinham vingado, por falta de atendimento dos critérios exigidos pelo governo, e buscou contemplar recursos para sua base eleitoral. Se o convênio for assinado até 31 de dezembro pelo ministério, a prefeitura ou governo estadual tem anos para executá-los.
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