Por José Montalvão
A pergunta que não cala: quem está enganando quem?
A pergunta que ecoa nas ruas, nas redes sociais e nas rodas de conversa é simples, mas incômoda: quem está sendo enganado nesse jogo de poder? Mais uma vez, tudo indica que é o povo.
A população vai às ruas incentivada por políticos e por associações, convocada a protestar, a defender posições antagônicas, a gritar contra ou a favor da anistia. Enquanto isso, o país assiste a um roteiro que já parece conhecido. O Supremo Tribunal Federal passou mais de três anos conduzindo processos relacionados à tentativa de golpe contra a democracia. A Polícia Federal, cumprindo ordens judiciais, prendeu milhares de pessoas supostamente envolvidas nos atos antidemocráticos.
Durante todo esse período, o Congresso Nacional transformou a tribuna em um verdadeiro campo de batalha discursivo: discursos inflamados, bravatas, acusações mútuas, uns defendendo a anistia, outros se dizendo veementemente contra. Paralelamente, o presidente da República jamais deixou de condenar o golpe, afirmando, inclusive, que houve tentativa de assassinato do presidente, do vice-presidente e do ministro Alexandre de Moraes — fatos gravíssimos que atentam diretamente contra o Estado Democrático de Direito.
Mas eis que, ao final desse longo e desgastante processo, surge uma saída “mágica”: a chamada dosimetria das penas. Um artifício jurídico que, na prática, funciona como uma anistia camuflada. O mais curioso — ou revoltante — é que os próprios políticos da situação classificam essa dosimetria como inconstitucional e imoral, mas, ainda assim, ela é aprovada na Câmara dos Deputados e, em seguida, no Senado Federal.
Mesmo repleta de falhas, vícios e críticas jurídicas, a proposta avança. Por quê? Porque, ao que tudo indica, já havia um acordo sendo gestado há muito tempo entre os três Poderes — um acordo feito longe dos olhos da população e completamente contrário à vontade da maioria do povo brasileiro.
O desfecho é previsível:
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O Congresso aprova;
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O presidente da República, cumprindo o papel combinado, veta;
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O Supremo Tribunal Federal, também dentro desse arranjo, reduz as penas por meio da dosimetria.
E o povo? O povo continua assistindo a tudo como mero espectador, usado como massa de manobra, convocado para protestar, mas jamais ouvido de verdade. Vai às ruas, grita, se divide, enquanto decisões fundamentais são tomadas em gabinetes fechados.
No fim das contas, permanece a amarga sensação de que a democracia é invocada no discurso, mas relativizada na prática. E o cidadão comum, mais uma vez, paga a conta e sai com a triste impressão de estar sendo tratado como figurante — ou, como muitos já dizem sem rodeios, como o palhaço dessa história.