segunda-feira, dezembro 22, 2025

Pagar boleto é peça-chave no estudo de qualquer sociologia materialista

Publicado em 22 de dezembro de 2025 por Tribuna da Internet

ustração em técnica vetorial, com traço preto sobre fundo bege com textura de papel, em linguagem estilizada. À esquerda, há o contorno em traço de uma cabeça humana vista de perfil, voltada para a direita. No interior da cabeça, na região do cérebro, há um QR code quadrado em preto e branco. À direita da imagem, aparece o contorno , no mesmo traço, de um corpo humano visto de frente, sem cabeça, até a cintura. Quando no centro do tórax desse corpo, onde fica o coração, há outro QR code quadrado em preto e branco. As duas figuras estão lado a lado.

Ilustração de Ricardo Cammarota (Folha)

Luiz Felipe Pondé
Folha

Dependendo de qual lugar você ocupa na cadeia alimentar, sua percepção de realidade pode mudar completamente. Trata-se aqui de um enunciado metodológico, ou, até mesmo, epistemológico, derivado de um marxismo um tanto selvagem. “Disclaimer”: óbvio que seu lugar na cadeia alimentar não esgota as causas ou fundamentos totais da sua percepção da realidade.

O que vale aqui como infraestrutura é a potência — alguém chique diria potência spinoziana — que brota do fato de você não acordar de manhã preocupado com pagamento dos boletos. Assim, o boleto é uma peça-chave de qualquer sociologia materialista.

CRER NA VIDA – Refiro-me aqui à potência para crer na vida. Há um otimismo que nasce da condição social e econômica. Há, claro, ricos deprimidos e otimistas pobres, como muitos evangélicos. Mas algum bolchevique raiz poderia chegar a propor que ricos deprimidos deveriam pagar um imposto específico elevado por poluir o ar social com um negativismo que deveria ser privilégio dos mais vulneráveis.

Num mundo bolchevique ideal não haveria depressão, mas, se houvesse, nunca seria direito de um rico ser deprimido. Ricos têm a obrigação de passar boas energias para o mundo. Deveriam pagar imposto sobre a contaminação social com suas emoções negativas indevidas.

Mas é bonito ver como alguns milionários creem na vida, no Brasil e na humanidade. Encanta-me a leveza com a qual discutem grandes problemas da humanidade, sempre com um sorriso na face e a crença inabalável no futuro da humanidade, do Brasil e do mundo, diria mesmo, da galáxia. Do ponto de vista bolchevique, seria proibido um rico falar de ética.

STATUS SOCIAL – Acho que um grande pecado da esquerda das últimas décadas foi se acostumar a comer em restaurantes étnicos estilo Nova York. Melando-se com o molho que indica status social. No caso dessa cidade, agora governada por um socialista populista mentiroso, como todo populista, que encantou hordas de idiotas, o fundamental para reduzir o custo dos restaurantes que a esquerda frequenta são os imigrantes ilegais.

“Não existe gente ilegal” é um desses slogans de revolucionários de butique, como se dizia. O grande segredo da xenofobia da direita com imigrantes ilegais é a sensação de que eles roubam seus postos de trabalho porque recebem muito menos do que os trabalhadores legais.

O grande segredo da defesa dos imigrantes ilegais por parte dos descolados é que estes não perdem empregos para aqueles. De novo, exemplo de materialismo social selvagem, mas nem por isso menos consistente.

CADEIA ALIMENTAR – Uma lei nesse assunto é que o seu lugar na cadeia alimentar determina sua percepção, cognição, episteme, afetos, tudo. Mesmo que não 100%, diria muito mais do que metade, talvez, dois terços? Sobra pouco. O sujeito é imensamente condicionado pelo lugar que ocupa na cadeia alimentar.

Santo Agostinho inventou a discussão sobre o livre arbítrio. É livre ou não é? Para ele, a discussão circulava ao redor da herança do pecado. Após a constatação de determinantes materialistas, entendemos que, no lugar do mal surgido do pecado original, ficou o mal surgido pela necessidade constante de grana para os boletos.

Na miséria que caracteriza o mundo atual, o boleto é uma entidade metafísica. Substância universal simples que determina toda a dinâmica ontológica. Uma espécie de pequeno primeiro motor infernal da ordem social e afetiva cotidiana. Claro que há pessoas que escapam desse determinismo, simplesmente porque são irresponsáveis e passam para os outros a pressão dos boletos. Toda família tem alguém assim, não é verdade?

CULPA DOS BOLETOS – Claro que não pensamos nisso o tempo todo, só se você estiver muito esmagado na cadeia alimentar. Existem os mentirosos de governos que dizem resolver isso distribuindo dinheiro para os esmagados, mas a principal função disso é angariar votos. Não há virtude possível na política quando você precisa angariar votos. Impasse estrutural da democracia. O boleto é o que faz as pessoas comuns colaborarem com regimes autoritários quando não são aderentes ao regime em si.

A pergunta que não quer calar —é possível escapar dessa dinâmica social? Sem muito dinheiro ou irresponsabilidade moral? Difícil. Isso quer dizer que a resposta filosófica para uma questão banal como essa é assim miseravelmente incapaz? Sim, é.

Quase todas as grandes questões da vida são insolúveis, o que fazemos é lidar com elas, minimizando seus efeitos mais deletérios, tentando escapar das suas armadilhas. A lucidez aqui é saber que a leveza fácil sempre custa muito dinheiro. O dinheiro é feliz. Mas o peso da ansiedade financeira é a lei para quase todos nós.

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