Ex-amigos: Evo patrocinou a eleição de Arce, mas os dois estão cada vez mais afastados
O país vizinho escapou de várias crises, mas as denúncias de envolvimento de estamentos oficiais com o tráfico criam uma ameaça próxima.
Por Vilma Gryzinski
“O narcotráfico está tomando importantes áreas estratégicas de nosso país. A proteção ao narcotráfico está apunhalando as instituições. Está gerando as condições para desestabilizar não um governo, mas o Estado plurinacional. Por isso, quero alertar sobre a desinstitucionalização da polícia”.
As palavras de Carlos Romero, ex-ministro do Interior no governo Evo Morales, continuam repercutindo por ajudarem a montar o quadro de um país vizinho, importante para o Brasil, tomado pelo crime.
Desconte-se as rivalidades políticas: Romero dirige as críticas a seu sucessor, Eduardo Del Castillo.
Mas é na hora das rivalidades que as verdades afloram.
“Existe uma proteção grosseira ao narcotráfico na Bolívia e esta proteção opera fundamentalmente no Ministério do Interior e em algumas promotorias distritais”, acusou Romero.
Os narcotraficantes têm até pistas que operam livremente, inclusive com iluminação noturna, segundo ele.
A rivalidade nada oculta entre o presidente atual, Luis Arce, e seu ex-patrono, Evo Morales, cria uma situação complexa. Escrevendo no Infobae, Humberto Vacaflor Ganam disse o seguinte:
“Luis Arce decidiu levar sua rivalidade com Morales à luta contra o narcotráfico, começando pelas campanhas do governo para destruir as plantações ilegais de coca, que se concentram no Chapare, território dominado por seu mentor, que agora é seu inimigo”.
As campanhas, segundo o ex-ministro Romero, são uma fachada para “proteger narcos amigos do governo”.
“Ou seja, nesse momento haveria grupos rivais de narcos de Morales e narcos de Arce, sem contar os cartéis brasileiros, colombianos, mexicanos e peruanos que operam na Bolivia”, afirmou Vacaflor Ganam.
É um quadro de arrepiar os cabelos. Obviamente, ultrapassa as fronteiras nacionais e repercute no Brasil, rota do valorizado pó branco extraído da coca boliviana.
Também envolve um país em situação de extrema volatilidade, o Peru, onde o autogolpe grotesco que Pedro Castillo tentou dar acabou aumentando a instabilidade – com uma nada disfarçada colaboração boliviana que vai muito além da identidade entre as populações indígenas.
A vice de Castillo, Dina Boluarte, assumiu depois da deposição legal do presidente, mas a situação descambou para violentos confrontos entre manifestantes indígenas e forças policiais, com mais de 60 mortos até agora e nenhuma solução à vista.
“O governo peruano suspeita que Morales está por trás dos envios de armas e agitadores provenientes da Bolívia, motivo pelo qual iniciou uma ação para julgar o ex-presidente boliviano no Peru, acusando-o de manipular os movimentos separatistas que surgiram em Puno”, afirmou Vacaflor Ganam.
Alta instabilidade política e infiltração das já precárias instituições pelo poder arrasador da droga são uma combinação explosiva.
Luis Arce, um economista que dava aulas na Inglaterra e foi ministro das Finanças de Evo Morales, tinha um alto nível de aprovação, inclusive pelo controle da inflação – 3,19% no ano passado -, mas o confronto com o ex-protetor o prejudica. Evo age como presidente, comparecendo a reuniões internacionais, com a infeliz cúpula da Celac em Buenos Aires, onde pretende abrir um “escritório”.
Ideologicamente, ambos se equiparam e são inimigos mortais da oposição concentrada em Santa Cruz de la Sierra, cujo governador, Luis Fernando Camacho, foi preso em dezembro.
A eleição presidencial será em 2025 e a rivalidade entre Arce e Morales só vai aumentar. Paralelamente, o narcotráfico vai estendendo seu poder e tornando cada vez menos desimportante quem é ou deixa de ser presidente. O importante é colaborar.
Revista Veja