O vereador de Cuiabá Marcos Paccola (Republicanos-MT) se tornou réu por matar o agente socioeducativo Alexandre Miyagawa, de 41 anos, em julho, com três tiros nas costas, e agora responde a dois processos criminais. Ele continua no cargo de vereador e é pré-candidato a deputado estadual. Além do homicídio, o vereador é acusado de fraudar o sistema da Polícia Militar para tentar acobertar assassinatos cometidos por um grupo de extermínio. Ele chegou a ser preso em 2019 em uma operação policial, junto com outros militares acusados de participar da quadrilha.
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O julgamento dele e de outros quatro policiais está marcado para o dia 3 de novembro deste ano pelos crimes de organização criminosa, obstrução à Justiça, falsidade ideológica, fraude processual e inserção de dados falsos. O processo tramita na 11ª Vara Criminal Especializada em Justiça Militar.
Conforme a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE), Paccola alterou o sistema de registro de armas da Superintendência de Apoio Logístico e Patrimônio da Polícia Militar, usando a senha de outro policial, para tentar evitar a identificação de uma arma usada nos homicídios pelo grupo que ficou conhecido como "Mercenários". A alteração do registro de uma dessas armas teria sido feita com o interesse de ocultar sete homicídios e tentativas de homicídio, que ocorreram em 2015 e 2016, segundo o MP.
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Nessa terça-feira, a Justiça de Mato Grosso determinou a suspensão do porte de arma do tenente-coronel, no processo que investiga a morte do servidor público, e aceitou a denúncia do MP contra ele pelo crime de homicídio qualificado, sem chance de defesa. O vereador informou, por meio de assessoria, que, por enquanto, não irá se manifestar sobre o caso.
Na análise do MP, Paccola teria atirado contra Miyagawa, mais conhecido como Japão, para tentar se promover politicamente como espécie de defensor das mulheres e para passar uma imagem de alguém que elimina supostos malfeitores.
“O agressor agiu por torpe motivação, no afã de projetar sua imagem como sendo de alguém que elimina a vida de supostos malfeitores e revela coragem e destemor no combate a supostos agressores de mulheres”, argumentou o MP na denúncia.
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A intenção do vereador era sair como herói, e fez questão de divulgar, logo depois do crime, que tinha agido para salvar uma mulher e que, em discurso na Câmara, teria "exaltado o seu feito e desprestigiado a vítima", conforme os promotores que investigaram o caso. Para o Ministério Público, Paccola quis chamar a atenção ao parar o carro trancando o trânsito quando notou a movimentação de pessoas no local onde o servidor foi morto.
"Ao visualizar que uma situação anômala ocorria, determinou que seu assessor parlamentar/motorista deixasse seu veículo atravessado na faixa da Avenida Filinto Muller, praticamente interrompendo o fluxo total da via, com o claro propósito de que sua presença e ação pudesse ser notada por um maior número de pessoas, momento em que se dirigiu ao local em que a vítima se encontrava, colocando-se na posição de autoridade que ali estava para 'colocar ordem na situação", pontua o MP.
A vítima estava com a namorada em uma rua movimentada na região central de Cuiabá quando foi morta pelo vereador. De acordo com o MP, em nenhum momento a vítima agrediu ou ofendeu alguém que estava no local, diferente do que o vereador alegou.
A denúncia foi aceita pela Justiça no mesmo dia em que a Câmara de Vereadores de Cuiabá negou o afastamento do vereador do cargo. O pedido, apresentado pela vereadora Edna Sampaio (PT), tramitava no Legislativo havia pelo menos três semanas. A maioria decidiu durante a sessão pelo arquivamento porque, segundo o relatório da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, o regimento interno não prevê afastamento cautelar e que só pode acontecer como punição após a conclusão de um processo de investigação da Comissão de Ética. A abertura de uma investigação ainda está sob análise.
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No dia da morte, o vereador emitiu uma nota dizendo que estava passando pela região quando foi informado que havia um homem armado ameaçando matar uma mulher. Ele alegou que mandou que Miyagawa a soltasse e que a vítima teria reagido e atirado. Ele também disse ter agido para defender Janaína Sá, a namorada do agente socioeducativo. Mas a versão foi contestada e, depois, ao final da investigação, a Polícia Civil concluiu que a alegação dele não tinha fundamento.
Janaína negou que estivesse sendo ameaçada e argumentou que o vereador já chegou atirando, acertando a vítima pelas costas. Imagens de câmeras de segurança capturaram o momento da morte do agente socioeducativo. Ele estava em meio a uma confusão na rua porque a namorada tinha entrado na contramão e algumas pessoas que presenciaram a infração de trânsito estavam revoltadas.
O vereador aparece com a arma em punho e atira em Miyagawa, quando ele estava com as mãos para baixo e de costas. A vítima cai e morre. Várias pessoas testemunharam a cena. Janaína disse, nos vídeos postados no Instagram no dia seguinte ao crime, que eles entraram na contramão porque ela queria usar o banheiro de uma distribuidora de bebidas naquela rua.
Algumas pessoas começaram a xingá-la por conta da manobra com o carro, mas a mulher contou que as ignorou e que seguia para o estabelecimento, quando o namorado que estava logo atrás dela foi baleado.
"O Japa (Miyagawa, cujo apelido é Japão) tem mania de andar com a mão na camisa, mania de policial, tipo fazendo guarda atrás de mim, e disse: 'amor espera'. Depois disso eu só vi ele caindo no chão", relatou em depoimento.
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Em um curso que ministrou em 2019 aos servidores do Judiciário de Mato Grosso, o tenente-coronel ensinou aos alunos que não é errado atirar em uma pessoa armada pelas costas.
— Por mais treinamento que eu tenha, não vai dar tempo. Então, se ele chegar [dizendo] 'perdeu' não vou entrar numa situação com ele, achando que vou conseguir desviar e fazer um 'matrix'. Se estou em uma situação e ele está de costas, esse elemento está armado, ou você não saca ou se você sacar atira até o alvo cair. E quantos tiros eu dou? Até cair — disse.
O método orientado pelo vereador aos alunos se assemelha ao utilizado por ele na última sexta-feira, que resultou na morte do agente socioeducativo
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