A melhor situação econômica não basta para evitar riscos democráticos
Por Alessandra Ribeiro (foto)* e Rafael Cortez*
‘É a economia, estúpido’. O uso da frase do estrategista de campanha do Partido Democrata, James Carville, no início de 1992 tornou-se comum nas análises eleitorais mundo afora.
A racionalidade por trás da afirmação é razoavelmente simples: cenário econômico tem peso relevante no comportamento dos eleitores, tornando a disputa presidencial uma avaliação do desempenho do governo na condução da economia. Uma economia que cresce significaria vitória do candidato à reeleição, independentemente das variáveis políticas, tais como natureza do sistema de partidos, perfil dos candidatos ou estrutura de campanha. Seria tão poderosa que, no limite, ela também produziria estabilidade política.
Os últimos anos, porém, foram marcados pela “redescoberta da política”, invertendo a relação entre economia e política. A análise das regras do jogo e das escolhas dos tomadores de decisão passou a ter impacto decisivo no comportamento das economias. A crise política nos países avançados, decorrente da crise sistêmica de legitimidade das organizações partidárias tradicionais, mostrou que o risco político não era apenas problema de países periféricos. A melhor situação econômica não basta para evitar riscos democráticos e episódios de violência política.
Os novos tempos requerem avaliação da articulação entre a cena internacional e escolhas políticas domésticas, como condicionantes do desempenho econômico do próximo mandato para o Brasil. As mudanças na paisagem internacional em direção a um mundo menos integrado — resultado das lições da pandemia e dos riscos geopolíticos — devem promover um rebalanceamento entre países emergentes.
Esse contexto de mudança traz vários desafios, mas também oportunidades. Desafios de curtíssimo prazo, como as consequências de fortes estímulos fiscais e monetários para a economia mundial em ambiente de restrição de oferta. Inflação elevada e consequente necessidade de aperto rápido da política monetária resultarão em desaceleração da atividade global. Esse quadro pode ser agravado por restrição de oferta de petróleo e gás pela Rússia, o que evidencia a vulnerabilidade na questão energética, especialmente no caso europeu, alimentando os temores de recessão.
O equilíbrio de economia política no cenário “pós-teto de gastos” basicamente expressa paralisia decisória no tocante às contas públicas. Seja pela dimensão da receita, seja pela das despesas, há entraves políticos para a aprovação de medidas que reduzam a percepção de risco, contribuindo para menor carga em cima da política monetária no combate à inflação. Esse equilíbrio político, na verdade, mostra-se mais eficiente em dribles às regras fiscais e para o populismo na concessão de benefícios tributários.
A gestão do presidencialismo de coalizão é fundamento comum para esses dois dilemas. Há um enfraquecimento político-institucional da Presidência da República. A descentralização da agenda reduz a prestação de contas da elite política e aumenta os riscos de captura por interesses particulares e ou regionais.
O Brasil tem basicamente quatro grandes desafios: 1) redução da percepção de risco quanto ao ambiente político-institucional; 2) desenho de uma política fiscal crível que garanta a sustentabilidade das contas públicas; 3) continuidade da agenda microeconômica para aumentar a produtividade e crescimento potencial; e 4) reconfiguração da posição do país no âmbito das relações internacionais, tendo em vista um novo posicionamento diante do redesenho geopolítico global.
A construção de uma trajetória sustentável de crescimento econômico tem poucas chances de sucesso, entretanto, sem a superação de uma política cada vez mais radicalizada e com horizonte temporal de curto prazo. É a política e a economia, estúpido!
*Alessandra Ribeiro é economista, sócia e diretora da área de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria,
*Rafael Cortez é cientista político e sócio da Tendências Consultoria
O Globo