Candidatos à presidência, com exceção de Bolsonaro, tentam se livrar do orçamento secreto, que dá ao Legislativo o controle sobre o Executivo
Por Merval Pereira (foto)
Entre os candidatos à presidência da República, apenas o presidente Bolsonaro não critica o “orçamento secreto”. É o seu “mensalão”. Os demais procuram jeito de se livrar da verdadeira tutela imposta ao Executivo pelo Legislativo, diga-se Centrão. Essa situação não nasceu da noite para o dia, deu-se como uma reação do Legislativo ao controle do Executivo sobre o orçamento, mas acabou criando outra disfuncionalidade, o controle do Legislativo sobre o Executivo.
Como já dizia o ex-deputado Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados três vezes, na última acumulando com a presidência da Constituinte: “Presidente da República sem o Congresso não governa. Não governa no Brasil nem em nenhuma democracia do mundo. Governo solidário, integrado, condominial, é o que ordena a Constituição. Ela repudia a ingovernabilidade do governo solitário, em que o destino de milhões de seres humanos depende de apenas uma cabeça. O que o presidente da República faz, o Congresso pode desfazer”.
É essa capacidade de desfazer que torna o Congresso sócio majoritário de qualquer governo, mas no de Bolsonaro a situação chegou ao paroxismo com o chamado “orçamento secreto”, que deu ao presidente da Câmara, deputado Artur Lira, o poder de escolher qual deputado receberá que verba, não importando se o projeto é prioritário, ou se está de acordo com o planejamento do Governo Federal.
Em tempos não muito distantes, ministros davam “chá de cadeira” nos parlamentares que pediam apoio para suas demandas. Hoje, são os ministros que procuram os deputados para pedir que incluam projetos do governo no orçamento. A situação mudou lentamente, começando com o “orçamento impositivo”, que chegou a ser considerado uma mudança estrutural que acabaria com o “é dando que se recebe” , lema que ficou na memória da Nação quando o deputado Roberto Cardoso Alves explicou candidamente a relação entre Executivo e Legislativo.
Parlamentares se alinhavam automaticamente ao governo para que suas emendas fossem liberadas. Sempre que existia uma votação importante no Congresso, havia uma corrida de deputados e senadores ao Palácio do Planalto em busca da liberação de verbas contingenciadas do orçamento federal. A expressão de São Francisco de Assis, utilizada no contexto da troca de votos por verbas, serviu para marcar na opinião pública uma péssima impressão da relação entre os congressistas e o Executivo, ampliando a sensação de que o fisiologismo imperava.
Esse processo de contingenciamento de verbas para emendas parlamentares foi aperfeiçoado no governo Fernando Henrique, tornando-se o principal instrumento de controle das votações no Congresso, transformando algo que é legal, num mecanismo de disciplina de voto. Deputados experientes no Congresso consideram que o Legislativo se tornara um departamento do Poder Executivo.
O Orçamento tem que ser mesmo impositivo, e não autorizativo como era, como nos Estados Unidos, onde o debate é feito na sociedade. Essa situação de submissão seria atenuada se os partidos se guiassem por programas para participarem do governo, mas no sistema atual um partido recebe um ministério sem mesmo saber qual é o programa que vai conduzir. Ao contrário dos países mais desenvolvidos, onde 70% do trabalho do Legislativo é definição do Orçamento, quem definia era o Executivo.
Na Constituição de 1946 os parlamentares podiam emendar o orçamento inteiro, como nos Estados Unidos se emenda. A partir da ditadura militar, o orçamento passou a ser tratado como um decreto lei. O Congresso só podia aprová-lo ou rejeitá-lo, não emendá-lo. E os deputados e senadores tinham uma cota para dar verbas a entidades assistenciais. A Constituição de 1988 retomou o espírito da de 1946, com a capacidade de emenda do Congresso. No governo Collor surgiram os “anões do orçamento”, com o ex-deputado João Alves – aquele que “ganhou “várias vezes na loteria - de relator, e os deputados só podiam emendar 20% do orçamento, “em nome da moralidade”.
Mas os anões – não apenas morais, todos os deputados envolvidos no escândalo eram baixinhos - incluíam suas emendas direto no Ministério do Planejamento, tornando-se “sócios ocultos” do governo. Essa situação começou a mudar com o orçamento impositivo, onde a execução das emendas dos parlamentares é obrigatória, e “evoluiu” até chegarmos às “emendas de relator”, que dá ao presidente da Câmara o poder de distribuir verbas a seu bel prazer, sem que se saiba nem o montante, nem o deputado que recebeu, nem para o que foi usada a verba.
O Globo