Queremos nós, portugueses e europeus, ser passivos, inoperantes e supérfluos quando se trata de avisar pseudo-ditadores e proto-autoritários de que estamos atentos ao que querem fazer?
Por Ricardo Silvestre
Já foi feito o argumento neste espaço sobre a necessidade de a União Europeia se preparar para a aliança entre conservadores americanos e populistas europeus, de modo a antecipar e combater manobras antidemocráticas e iliberais que vão resultar de tal coligação. A principal objetivo para estes grupos será causar o máximo de desinformação e disrupção dos atos eleitorais para o Parlamento Europeu e Presidência dos Estados Unidos da América em 2024. Porém, antes dessa meta, existem etapas que servirão de indicação do que podemos esperar no futuro (para ambos os lados). Uma são as eleições intercalares de novembro para o Senado e Casa dos Representantes nos Estados Unidos, a outra é a eleição Presidencial de outubro no Brasil.
Como já explicado aqui anteriormente, os grupos em ambos os lados do Atlântico aprendem entre si quais as manobras que resultam (e as que não resultam) de forma a afiná-las e aplicá-las novamente. Estão sobejamente retratadas aqui no Observador as ações que Donald Trump encetou (e enceta) para descredibilizar resultados de eleições, e, na ausência de sucesso, a manutenção, ilícita, da Casa Branca. Jair Bolsonaro, em novembro de 2018, fez saber o quanto desejava copiar o exemplo do Presidente mais a Norte, elogiando o “brilhante trabalho” que Trump fazia nos Estados Unidos. Tal como Trump, Bolsonaro disse, em setembro de 2018, que não aceitaria o resultado das eleições se as perdesse. O então candidato a Vice-presidente, o General Hamilton Mourão, chegou mesmo a ventilar a ideia de que as forças armadas devia realizar um golpe de Estado no caso de o sistema judicial não conseguisse sanar o problema da corrupção no país. No entanto, a eleição cairia para Bolsonaro e Mourão, e ficámos sem saber se tais avisos tinham fundamento, ou eram só a bazofia de políticos com pouco respeito por fundamentos democráticos.
Em fevereiro deste ano, o presidente Bolsonaro visitou Budapeste e Moscovo. Na Hungria, Bolsonaro mencionou, junto a Órban, que o país europeu era como “o pequeno irmão” do Brasil, por causa das suas políticas populistas, nacionalistas, xenófobas e homofóbicas. Quando na Rússia (parceiro na BRICS, a associação de economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foi anunciado que ambos os países iriam fortalecer cooperações na área da defesa, cibersegurança e tecnologia (entre outras). Agora que estamos na iminência da eleição para a Presidência em outubro, voltam as ameaças. Bolsonaro volta a agitar o fantasma de não aceitar resultados de eleições, desta vez devido aos mecanismos do ato eleitoral, com justificações, a priori, de fraude a uma escala suficiente para desvirtuar os resultados finais. Algo que vimos Trump a fazer.
Não é por acaso que são levantados sinais de alerta em Washington. O Senador Bernie Sanders, de Vermont, faz circular uma Resolução (aparentemente com o apoio dos colegas Tim Kaine do Virgínia, antigo candidato a Vice-presidente com Hillary Clinton, Patrick Leahy de Vermont, e Jeff Merkley de Óregon, veteranos de relações internacionais) que defenderá que, no caso de o resultado das eleições ser legitimo, determinado como tal por monitores internacionais, e Jair Bolsonaro, como candidato derrotado, não transferir pacificamente o poder para o candidato vencedor, os Estados Unidos não reconhecerão a Administração que tome o poder por ações não democráticas ou por uso de força militar. Naturalmente, algumas nuances são óbvias nesta iniciativa por parte do Senador Sanders: sabemos pelo seu historial político que apoia políticos de centro-esquerda e de esquerda radical, e esta Resolução é também para “consumo interno”, pelos receios do que poderá acontecer em 2024, quando, ou se, candidatos Republicanos não aceitarem resultados de eleições livres e justas.
Esta é uma boa altura para a União Europeia, e em particular, Portugal, terem iniciativas semelhantes. O Parlamento Europeu poderia votar, já em setembro, numa Resolução parecida com aquela que está a ser construída no Senado Americano, igual ao que aconteceu com a Resolução sobre as “Ameaças globais ao direito de fazer um aborto: a possível reversão do direito ao aborto pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos”. Ainda mais porque, a nível económico, o Brasil é um parceiro privilegiado da União no âmbito do acordo Mercosul (apesar de o candidato Lula dizer que o acordo “não é válido” e que “precisa de ser renegociado”).
E isto leva-nos finalmente a Portugal. A nível do governo da nação, existiram preocupações naturais com uma tal tomada de posição. Porém, existe um precedente recente. Aquando das eleições na Venezuela, o na altura Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, pediu para que Nicolas Maduro “aceitasse a transição de poder” (através do Grupo de Contacto Internacional sobre a Venezuela), e no Porto mencionou que era “lamentável a forma como decorreram as eleições”. No entanto, isto foi à posteriori. Desta vez pode-se mostrar mais proatividade e fazer entender a posição de Portugal (e da União Europeia) mais cedo. O Parlamento Nacional pode também marcar uma posição, através da votação de uma Resolução nos mesmos moldes, apresentada por um dos grupos parlamentares dos partidos democráticos com assento na Assembleia (que, nem de propósito, tem como Presidente Augusto Santos Silva). E sim, naturalmente, existem as variáveis referidas acima: qual é o possível efeito de tal Resolução nas relações bilaterais entre os países, na comunidade portuguesa no Brasil e brasileira em Portugal, no futuro da relação política, económica e social? Contudo, a pergunta também se pode colocar de outra forma: queremos nós, portugueses e europeus, ser passivos, inoperantes e supérfluos no que se trata de avisar pseudo-ditadores e proto-autoritários de que estamos atentos ao que querem fazer e que pagarão o preço se o conseguirem?
Observador (PT)