Bolsonaro exterminou as pastas da Saúde, Educação e Meio Ambiente e cooptou para a defesa de seus interesses órgãos da República, como a PGR
A degradação institucional promovida pelo presidente da República e pelos líderes do Centrão no Congresso é ampla e profunda. Não terminou ainda e está exclusivamente marcada por interesses eleitorais de Bolsonaro e dos partidos fisiológicos em aumentar suas bancadas para continuar parasitando o Orçamento no próximo governo, seja qual for.
A barreira para impedir o impeachment de Bolsonaro foi erguida ao preço de entregar a PP, PL, Republicanos e outras legendas fisiológicas o controle orçamentário. O resultado foi a criação das emendas do relator, cuja falta de transparência foi condição essencial para a distribuição de dinheiro público a currais eleitorais demarcados pelos caciques dos partidos governistas. Há rastros fortes de corrupção nas obras que financiaram e a Polícia Federal está no encalço de um dos ninhos de propulsão de obras irregulares, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, enquanto que os repasses de grande parte das emendas secretas para a Codevasf aguarda investigações sérias. Ambos são dirigidos por pessoas indicadas pelo PP, do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.
O regimento da Câmara foi jogado pela janela na votação de propostas de emenda constitucional (PECs). A Constituição pode ser mudada em uma noite, com votações a toque de caixa na Câmara e no Senado, atropelando prazos regulamentares obrigatórios. A esbórnia está a serviço da pressa e esta, dos interesses. Depois que o governo enterrou a Lava-Jato com a ajuda da Procuradoria Geral da República, que eliminou as forças-tarefas com a ladainha de aumentar a produtividade das operações - e nunca mais se ouviu falar delas - o Congresso reformou, com apoio do PT, a lei de improbidade administrativa.
Um dos objetivos da mudança - é agora preciso provar a intenção do administrador em causar prejuízos aos cofres públicos - foi prospectivo. O STF julga uma ação que pode absolver políticos sob processo, como Arthur Lira, Wilson Witzel, Anthony Garotinho e Eduardo Cunha, entre outros.
Com o apoio de Lira, Ciro e por vezes de Rodolfo Pacheco, presidente do Senado (PSD-MG), Bolsonaro fez do orçamento fundo auxiliar da campanha para a reeleição, furando o teto de gastos várias vezes. Na última, aumentou para R$ 600 o Auxílio Brasil e criou vale para caminhoneiros.
O Centrão e o presidente da República infernizaram a Petrobras para mudar sua política de preços, criticaram seus altos lucros para em seguida pedir às estatais que antecipem dividendos ao governo, presumivelmente para haver recursos que permitam pagamento integral dos R$ 16 bilhões de emendas do relator no ano.
Com o sinal errado vindo do Executivo, que deveria indicar rumos e coordenar seus objetivos com os do Legislativo, o Congresso sentiu-se à vontade para fazer de tudo. A Câmara aprovou ontem projeto de lei para a renovação da frota de ônibus e caminhões, com prioridade para os caminhoneiros autônomos. O dinheiro para bancar o programa virá da Cide-combustíveis e, o que é muito ruim, dos recursos que as empresas de óleo e gás usariam para pesquisa, desenvolvimento e inovação. O Executivo fez más escolhas, a base governista segue piorando-as.
O desejo das legendas que passaram a dominar o orçamento é o mesmo de Bolsonaro: continuísmo. O fundo eleitoral bateu recorde, R$ 4,9 bilhões. Com eleições mais caras, o interesse das cúpulas é apostar no certo e canalizar a maior parte dos recursos a quem já possui cargo eletivo, inibindo a renovação. O objetivo para os partidos que não têm candidato a presidente, e mesmo para alguns que têm, é aumentar seu cacife no jogo legislativo, ampliando suas bancadas.
O governo diminui as receitas da próxima administração sem cerimônia. Reduziu em 35% o IPI e quer cumprir velha promessa de campanha, a atualização da tabela do IR, além de ter criado a armadilha temporária dos R$ 600 do Auxilio Brasil, que prometeu manter se reeleito. O Bolsa Família, focado e exitoso, custava R$ 35 bilhões; seu substituto, desfigurado e sem foco, custará R$ 150 bilhões - e não há recursos sem cortes drásticos nos investimentos e no custeio do Estado.
Bolsonaro exterminou as pastas da Saúde, Educação e Meio Ambiente e cooptou para a defesa de seus interesses instituições da República, como PGR, AGU e CGU. É uma obra notável de destruição, que pode crescer com o ‘esforço concentrado’ da Câmara.
Valor Econômico