Bolsonaro pode virar o jogo com pauta de costumes´
Por Andrea Jubé
”Era infinitamente maio” (com a licença poética de Guimarães Rosa), e mais uma vez, na história recente das eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como líder na rodada de pesquisas sobre a sucessão presidencial realizadas a quatro meses do pleito. Um favoritismo que, nem sempre, perdurou, ou se confirmou nas urnas.
O levantamento mais recente do instituto Datafolha mostrou que o petista, com 48% das intenções de votos, abriu uma vantagem de 21 pontos sobre o presidente Jair Bolsonaro, que aparece com 27% da preferência dos entrevistados.
Lula celebrou, fustigando o principal adversário: "vocês viram a pesquisa... Ô [Geraldo] Alckmin, eu imagino que o Bolsonaro não dormiu ontem à noite”, provocou, dirigindo-se ao seu provável vice na chapa.
Mas, logo desautorizou o “salto alto”, até por ser gato escaldado. "A gente não vai poder parar, porque se a gente parar, a gente pode ter dificuldade de ganhar", alertou, voltando-se à militância.
Há 20 anos, no levantamento divulgado pelo mesmo Datafolha em 14 de maio, Lula emergia como favorito, com 43% das intenções de votos, enquanto o ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB) despontava com 17%. Na véspera do pleito, Lula chegou a 48% dos votos válidos, e Serra bateu em 21%. O embate acabou definido no segundo turno, com a vitória do petista.
Oito anos antes, o desfecho foi amargo para o PT. Em maio de 1994, Lula também liderava a corrida sucessória. Pesquisa do mesmo Datafolha divulgada em 27 de maio mostrava Lula com 40% das intenções de voto, e o então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB) com 17% - vantagem de 23 pontos percentuais. Cenário semelhante ao atual.
Em 1994, Lula beneficiava-se do recall do pleito de 1989, dos frutos das Caravanas da Cidadania com as quais percorreu o país, e do cenário de hiperinflação, que somente o Plano Real seria capaz de reverter. A nova moeda começou a circular em 1º de julho daquele ano. O petista começou a perder fôlego no final de junho, até que em agosto, com a propaganda eleitoral na televisão, ele estabilizou em 23%. FHC elegeu-se no primeiro turno, com 54,2% dos votos válidos.
Esse breve retrospecto evidencia que as pesquisas refletem a fotografia do momento. Um retrato que pode se prolongar até a eleição, como ocorreu em 2002, ou esvanecer, como em 1994.
O presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, acredita que o mais provável - dentro das condições normais de temperatura e pressão -, é que o cenário favorável a Lula se sustente até a eleição.
Entretanto, como política é ciência humana, e, portanto, imprecisa, Meirelles indica duas situações hipotéticas que, efetivamente, poderiam impulsionar uma escalada de Bolsonaro nas próximas pesquisas.
Uma delas seria um movimento heterodoxo de Bolsonaro na economia. Num cavalo de pau - na caneta, e não na motocicleta -, o presidente instituiria um tabelamento dos preços do combustível, ou dos alimentos.
Como a eventual medida seria ilegal, por violar a lei eleitoral, o Poder Judiciário seria chamado a intervir. Bolsonaro, a seu turno, renovaria a retórica de que tenta governar para o povo, mas é “sabotado” pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A segunda hipótese aventada por Meirelles em que Bolsonaro poderia virar o jogo seria uma conversão da pauta da eleição da economia para a agenda de costumes. “A economia é uma pauta tradicionalmente de vitórias do PT, mas o [Fernando] Haddad perdeu [em 2018] quando Bolsonaro impôs a pauta de costumes”, lembra o pesquisador, considerado um dos grandes especialistas em consumo e opinião pública.
Meirelles complementa que até o PT pode ajudar Bolsonaro nesse sentido. Seja quando Lula presenteia seus adversários com declarações passíveis de distorção sobre o aborto. Ou quando um segmento da militância tenta atrair Lula para a pauta identitária.
Meirelles sublinha que o “campo de jogo” que favorece Lula é a economia e a saúde. A afirmação encontra ressonância no que o marqueteiro da campanha, Sidônio Palmeira, tem pregado internamente: a disputa com Bolsonaro é pelo “centro de gravidade” de atração do eleitor, e o do PT tem que ser a economia.
Um recorte do Datafolha divulgado ontem sinaliza para que a eleição seja definida a partir da insatisfação do eleitor com a economia e com a saúde, como quer o PT: 66% dos brasileiros no geral acham que a economia do país piorou nos últimos meses, mas esse número sobe para 84% entre os eleitores de Lula.
Aliados de Bolsonaro apostam no horário eleitoral gratuito para alavancar o presidente nas pesquisas. As inserções do PL ao longo da programação no rádio e na TV vão ao ar nesta semana.
Maurício Garcia, fundador da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel) e presidente do Instituto Conectar - com atuação, principalmente, em Pernambuco e no Ceará -, confirma que a propaganda eleitoral no rádio e na TV influencia o voto do eleitor. Mas essa influência seria maior nas eleições locais.
“Em eleições municipais, tenho acompanhado esse impacto do início do horário eleitoral. Há um crescimento do candidato do governo, mas na campanha presidencial, vejo um menor poder de alcance”, diz o pesquisador, que foi da equipe do antigo Ibope por 20 anos.
Garcia, que acompanha pesquisas sobre eleições desde 1989, afirma que nunca viu um cenário de polarização com um envolvimento prévio do eleitorado tão grande como na disputa desse ano. Por isso, ele afirma que - em condições normais de temperatura e pressão - acha remota uma mudança no favoritismo de Lula. “É pouco provável que algo aconteça [até a eleição] que mude bruscamente isso”. Mas Garcia enumera fatos inesperados que mudaram o rumo das eleições, como o atentado contra Bolsonaro, a queda do avião de Eduardo Campos, e o assassinato de João Pessoa em 1930. O imponderável não aparece nas pesquisas.
Valor Econômico