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terça-feira, fevereiro 15, 2022

Rússia em pé de guerra: mais que “posto de gasolina com armas nucleares”.




Putin preparou bem o país para aguentar o tranco de sanções econômicas, o único instrumento para castigar uma possível invasão da Ucrânia. 

Por Vilma Gryzinski

É quase inacreditável que no ano de 2022 estejamos falando da iminência da invasão de um país soberano, com governo e instituições democráticas, por mais imperfeitas que sejam, e com pretexto zero. Mas esta é a situação que Vladimir Putin criou para o mundo: a perspectiva de uma guerra de pura e simples anexação.

Por que Putin está fazendo isso? A resposta mais simples é: porque pode. Ou tem a firme convicção de que é agora a janela de oportunidade para engolir um pedaço da Ucrânia e avançar no seu projeto de reconstruir a esfera de influência – conhecida como vassalagem, em se tratando dos envolvidos – que a Rússia tanto da era czarista quanto da soviética criou tão implacavelmente.

Do seu ponto de vista, a frente unida entre Estados Unidos e Europa tem fissuras profundas. O maior motivo é a dependência europeia, especialmente alemã, do gás russo que aquece os lares e move as indústrias. E nenhum dos lados, obviamente, cogita sacrificar uma vida que seja pela liberdade da Ucrânia.

Ele também vê um presidente americano idoso, cheio de problemas internos e de debilidade comprovada pelo modo patético como tirou as forças dos Estados Unidos do Afeganistão. Fez um entendimento com a China, baseado menos na simpatia mútua e mais no interesse recíproco de quebrar as pernas da superpotência americana.

Preparou-se para segurar o rojão, se decidir finalmente acendê-lo, em todas as esferas.

Como um país com PIB de 1,5 trilhão de dólares – equivalente ao do Brasil – pode desafiar o poderio americano, com economia trezes vezes maior e projeção de poder bélico em todos os cenários mundiais?

Audácia, audácia sempre, dizia Napoleão, que também exigia sorte de seus generais. Putin está jogando com os dois elementos.

Por exemplo: depois que invadiu a Crimeia e tomou a península (em um único fim de semana, ajudado pela boa vontade da população de origem russa), em 2014, o petróleo foi despencando até chegar a 26 dólares o barril; hoje já se fala em quebrar a barreira dos cem de novo.

As sanções desfechadas em punição pela anexação da Crimeia também deixaram o regime russo escolado. A casa está em ordem, como se diz no Brasil: orçamento equilibrado, dívida pública abaixo de 20% do PIB, 630 bilhões em reservas, mais 180 bilhões do fundo soberano.

“Não dá para colocar a Rússia num buraco negro e tratá-la como um pária da categoria do Irã ou da Coreia do Norte porque ela é sistemicamente importante para a economia mundial”, disse ao Telegraph um especialista em estratégia macroeconômica, Christopher Granville.

Ele deu um exemplo: quando o Tesouro americano quis colocar a produção de alumínio russo na lista do castigo, descobriu que a indústria aeroespacial e automobilística precisavam dessa matéria prima. “Recolheram a bazuca”, resumiu Granville.

Usando uma palavra que não é dita na sociedade, muito menos na diplomacia, o embaixador russo na Suécia, Viktor Tatarintsev, desdenhou: “Nós estamos mais autossuficientes e conseguimos aumentar nossas exportações. Não temos queijos italianos ou suíços, mas aprendemos a fazer queijos russos tão bons quanto, usando receitas italianas e suíças”.

“Putin não liga ****** nenhuma para sanções”.

Putin também reequipou as forças armadas, tem um exército avançado de guerreiros cibernéticos e uma máquina de propaganda que convenceu a opinião pública interna que são os Estados Unidos e aliados europeus os vilões da história.

É difícil de acreditar, mas funciona. Especialmente porque os russos têm consciência profunda de que perderam o status de superpotência quando a União Soviética acabou. Mesmo com a maior extensão territorial do planeta, os vastos recursos energéticos e o arsenal atômico, viram sua posição se desfazer no ar. Transformaram-se, numa avaliação cínica, num posto de gasolina com armas nucleares.

O crédito de Putin junto aos russos deve-ser ao fato incontestável de que ele reergueu o país. Este crédito pode se esgarçar se ele desfechar a conquista de um país muito menor, numa guerra com um número alto de baixas e de destruição material. Certamente ele tem um plano para evitar isso. Desativar a Ucrânia inteira ciberneticamente pode fazer parte dele, entre outros truques de sua bem equipada caixa de ferramentas.

Em qualquer hipótese, de aventura bélica ou uma solução diplomática de última hora, Putin está no lugar que sempre ambicionou: no centro das atenções do mundo.

Revista Veja

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