Ingrid Soares e Augusto Fernandes
Correio Braziliense
Março foi um dos meses em que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro mais oscilou desde que ele assumiu o Palácio do Planalto, em 2019. O recrudescimento da pandemia da Covid-19 no país, que tornou o último mês o mais letal da crise sanitária, com 66.573 mortes, foi um dos principais fatores para a má avaliação do chefe do Executivo.
Também contribuíram para impopularidade a demora do governo em disponibilizar mais vacinas à população e algumas condicionantes políticas, como a mudança no comando do Ministério da Defesa, que desencadeou uma reformulação em todas as Forças Armadas. Mas em meio a esse cenário negativo para Bolsonaro, cresceu a quantidade de interações no Twitter de perfis considerados inautênticos em favor do presidente.
LEVANTAMENTO – Segundo levantamento feito pelo Correio com base em números da plataforma Bot Sentinel, que analisa publicações feitas na rede social por robôs, o número de postagens com hashtags de apoio a Bolsonaro deram um salto vertiginoso entre fevereiro e março. Se, há dois meses, a ferramenta mapeou pelo menos 1.392 posts produzidos por bots bolsonaristas, no mês passado foram contabilizados, no mínimo, 49.302. O crescimento foi de 3.441%.
Dentre as publicações feitas pelos robôs, destacaram-se hashtags que enaltecem o trabalho desempenhado pelo mandatário. Houve, por exemplo, mais de 15,2 mil publicações com #opovoestacombolsonaro, #bolsonaroheroidobrasil, #contecomigobolsonaro, #bolsonarotemrazao e #vaipracimapresidente. Além disso, foram bastante comuns posts pedindo que Bolsonaro seja reeleito no ano que vem. Tags como #bolsonaro2022, #bolsonaroate2026, #bolsonaropresidenteate2026 e outras variantes apareceram em aproximadamente 8,1 mil postagens.
Os dias em que as publicações aconteceram com mais frequência foram no aniversário de Bolsonaro, 21 de março, e na data que marca o início do golpe militar de 1964, 31 de março. Só nesses dois dias, foram quase 14,1 mil posts escritos por robôs. As principais hashtags utilizadas foram #happybirthdaybolsonaro, #parabenspresidente, #deusabencoebolsonaro, #felizaniversariobolsonaro, #viva31demarço, #viva1964 e #viva31demarçovivaobrasil.
EM DEFESA DE ARAÚJO – Com a pressão no fim do mês para que o presidente demitisse o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também foram mapeadas cerca de 2,8 mil publicações de bots em defesa do chanceler, tais como #ninguemmexecomernesto e #ernestoaraujofica. Apesar disso, ele foi substituído pelo embaixador Carlos Alberto Franco França.
Um indicativo que aponta para a possibilidade de a atividade no Twitter a favor de Bolsonaro ter sido conduzida por perfis inautênticos é o erro gramatical na escrita de algumas hashtags. Dentre as publicações que mais se destacaram, houve ao menos 459 posts com #parabemsbolsonaro, mais do que as postagens com a escrita correta: apenas 144 estavam com a grafia #parabensbolsonaro. Ainda foram mapeados 153 tweets com #fechadocombolonaroate2026. Por outro lado, 675 foram publicados corretamente (#fechadocombolsonaroate2026).
A atividade dos robôs foi mais comum à noite e nas primeiras horas da madrugada. Quase 45% das publicações (21.780) aconteceram no intervalo entre 21h e 4h. Em contrapartida, a interação dos bots pela manhã e durante a tarde foi bastante reduzida. Apenas 23% das postagens (11.540) aconteceram de 10h a 17h.
DESESPERO – O cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que o uso de robôs é um sinal de que o bolsonarismo se sente acuado em meio às pressões contra o presidente. “(O bolsonarismo) está tentando não perder espaço na internet, território até hoje muito importante para o presidente. Na campanha de 2018, enquanto outros candidatos corriam para montar equipes nas redes sociais, Bolsonaro já as usava havia um ano ou dois. Portanto, ele sente que sua avaliação está deteriorando e tenta não perder espaço nas redes virtuais”, comenta.
“Segundo as pesquisas, houve um aumento de quem considera ruim ou péssimo e uma queda dos que consideram bom e ótimo. Essa manobra (dos robôs) visa tentar manter a hegemonia e a força do bolsonarismo. Mas há ainda o pensamento nas eleições de 2022, quando Bolsonaro vai buscar a reeleição de todas as formas. Seu projeto de poder depende disso”, completa Prando.
SEM EFEITO – Entretanto, Vera Chemim, especialista em direito constitucional e mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas, alerta que a atividade de robôs na internet para manter artificialmente o apoio ao governo Bolsonaro pode não surtir efeito para as pretensões do mandatário de vencer as eleições do próximo ano.
“A princípio, o uso de robôs visa maquiar a queda de sua popularidade, decorrente de muitos erros e tropeços, desde o abandono do combate à corrupção até o menosprezo e omissão em razão da pandemia. Porém, caso não haja mudança de postura, em um momento mais próximo às eleições, nem robôs conseguirão fazer milagre no sentido de aumentar a popularidade de Bolsonaro, se ele insistir em continuar a fazer política na base do populismo e do toma lá dá cá”, avalia.