Posted on by Tribuna da Internet
Carlos Newton
Em 2019, o Congresso fez o dever de casa ao contrário. Ao invés de aprovar o Pacote Anticrime apresentado pelo então ministro da Justiça, Sérgio Moro, desidratou o projeto e preferiu a proposta do senador Roberto Requião (MDB-PR), que se tornou conhecida como Lei do Abuso de Autoridade.
Na época, esta Lei 13.869 foi considerada uma forma de intimidar a força-tarefa da Lava-Jato e os procuradores, promotores, delegados, auditores e magistrados em geral. Realmente, determinados termos da lei chegam a ser ofensivos.
PARECE UMA DESFORRA – “As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”, diz um dos dispositivos mais criticados de uma lei que mais parece uma desforra do Congresso contra o Judiciário, no auge da Lava Jato, quando Lula da Silva e José Dirceu ainda estavam trancafiados.
Sem dúvida, foi um exagero partir do princípio de que há autoridades sem o menor caráter, capazes de agir “por mero capricho ou satisfação pessoal”. Um ano depois, não há notícia da aplicação da lei a investigações indevidas, que tenham sido abertas aleatória e caprichosamente para atingir adversários das autoridades públicas, como prevê a Lei do Abuso de Autoridade.
UMA LEI INÚTIL – Não serviu nem mesmo para enquadrar o desembargador paulista Eduardo Siqueira, que humilhou o guarda municipal no meio da rua. Ele foi afastado do tribunal com base na Lei Orgânica da Magistratura, que somente prevê sanções disciplinares. Mas poderia responder pelo art. 33, parágrafo único, da Lei de Abuso da Autoridade, que indica pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, para quem “se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido”.
No entanto, ninguém lembrou da existência dessa lei, que parece ser do tipo vacina que não pegou, e continuam a ocorrer desvios de poder e de finalidade em investigações e processos em todas as instâncias, com vazamentos à imprensa para atingir a honra de pessoas públicas.
EXEMPLO EUROPEU – Na Inglaterra e em outros países, é normal que agentes públicos respondam civilmente por danos morais e materiais produzidos contra pessoas atingidas indevidamente por seus atos. Na Europa, essa orientação vem desde a década dos anos 1960, a partir dos tribunais constitucionais, e sedimentou-se com a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos anos 1990.
No Brasil, essa será também a tendência, além do fortalecimento dos mecanismos de cobrança da probidade dos fiscalizadores e repressão ao abuso de autoridade. Quanto a essa tal Lei do Abuso de Autoridade, que descanse em paz…