Dora Kramer
Uma a uma, desde as primeiras denúncias ainda no início do ano, o presidente do Senado, José Sarney, perdeu todas as chances que lhe foram dadas para tomar providências e, por demonstração de iniciativa, assumir o controle na administração da crise que assola a Casa.
Negou as evidências, contemporizou com toda sorte de irregularidades, fugiu de suas responsabilidades, anunciou ações inócuas, escorou-se na força política do presidente da República, fez vista grossa a chantagens contra adversários, desconversou o quanto pôde.
Tanto deixou de fazer e por tantas vezes e com tamanha imprudência pôs à prova a própria credibilidade que, junto com as oportunidades de agir, perdeu também a autoridade e a majestade. Agora é alvo de diversas representações no Conselho de Ética e está em via de se tornar refém de uma tropa de choque composta por suplentes sem voto, gente de vida pregressa contestada na Justiça e de má fama perante a opinião pública.
Tropa convocada especialmente para impedir que tenha o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar. Nesse quadro é que o presidente do Senado decidiu anular os 663 atos secretos editados ao arrepio do princípio constitucional da publicidade, aplicado a toda ação de natureza pública, cuja existência ele mesmo negara e, depois, atribuíra a meros “erros técnicos”.
A despeito da opinião de vários senadores, que defenderam a posição publicamente, Sarney, com o aval da Mesa Diretora, preferiu o estratagema de regularizar a ilegalidade mediante publicação dos atos com data retroativa à época da assinatura. Entre os “direitos” dos beneficiados e o Estado de Direito, a direção do Senado optou por ferir o juramento de cumprir a Constituição.
O recuo de ontem não tem o valor da convicção, porque foi pautado pela necessidade individual de sobrevivência. O respeito à Constituição teria, sim, ficado estabelecido como a real motivação se a anulação tivesse sido ordenada de imediato, por uma questão de princípio.
Tal como se valeu da prerrogativa agora – independentemente de resultados de sindicâncias, pois não são elas que determinam a ilegalidade de atos validados à revelia da lei – o presidente do Senado poderia, e deveria, tê-la invocado a tempo de preservar a própria credibilidade.
Agora, o senador José Sarney não corre, como se diz equivocadamente, atrás do prejuízo. Isso ele fez quando se dispôs a presidir o Senado pela terceira vez, na ilusão de encerrar a carreira política ainda na posse do poder de mobilizar poderes na República.
Constatado o erro de cálculo, Sarney corre mesmo é atrás de obter algum benefício para se distanciar o máximo possível do imenso malefício autoimposto e que o levou ao caminho do declínio humilhante.
Uma tentativa de recuperação de fôlego. Suficiente para organizar a saída, nessa altura já inexorável, mas à qual Sarney gostaria muito ver registrada na companhia do adjetivo “honrosa”.
Quartel de Abrantes
Continua tudo como dantes na seara tucana, no que tange à sucessão presidencial. O governador José Serra continua sendo o candidato do PSDB, cuja cúpula continua achando que o melhor plano é a composição partidariamente unitária com o governador Aécio Neves de vice.
A filiação de Itamar Franco ao PPS e, consequentemente, sua integração à aliança de oposição à candidatura patrocinada pelo Palácio do Planalto, é um fator facilitador. O desejo de Itamar de concorrer a uma das vagas de Minas Gerais ao Senado “empurra” Aécio para mais perto da solução puro-sangue.
Itamar tem, por isso, recebido homenagens antes inimagináveis. Como a série de citações ao nome dele na sessão solene no Senado em comemoração aos 15 anos de Plano Real. Nem um só senador tucano se esqueceu de dividir com ele a paternidade do plano.
Lembrança recente, quando passou a ser eleitoralmente conveniente, já que o crédito dado a Itamar jamais ultrapassou o limite do mérito pela nomeação de Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda.
A boataria sobre a possibilidade de Serra desistir da Presidência e disputar a reeleição por ora é só uma boataria. Muitíssimo conveniente ao governador de São Paulo que, assim, obtém uma série de vantagens: alivia a pressão dos aliados para entrar em campanha desde já, mantém alto o prestígio de Aécio Neves como possível candidato, reduz a tensão no campo adversário inibindo o início da temporada de ataques e assegura visibilidade às ações administrativas do governo do estado.
No momento, José Serra não está em dúvida. Se resolver disputar mais um mandato de governador, terá sido uma mudança de posição decorrente não de um dilema do presente, mas de uma alteração das chances reais de vitória, situação que só será examinada de verdade em 2010.
Fonte: Gazeta do Povo
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