Presidente do Senado tenta se proteger das denúncias e cria obstáculos físicos para o trabalho dos jornalistas. Uma parede de vidro deve isolar parlamentares no plenário e acesso à sala do cafezinho será limitado
Com a justificativa de abrir caminho para a chegada do príncipe Charles, até sofás em frente à Presidência do Senado foram retirados
Fábio Góis
A relação entre presidência do Senado e imprensa mudou desde a eleição de José Sarney (PMDB-AP), pela terceira vez, para o posto. O acesso a informações fica cada vez mais difícil e se intensificam as críticas de repórteres, cinegrafistas, fotojornalistas e demais profissionais da notícia à escassez de entrevistas concedidas por Sarney.
A mais recente decisão tomada para restringir o trabalho da imprensa foi anunciada na semana passada pela Diretoria-Geral, depois de seguidas reuniões a portas fechadas com membros da Mesa Diretora. A partir de agora, informações administrativas internas só serão concedidas de maneira formal, mediante ofício assinado pelo órgão de imprensa ao qual o jornalista presta serviço.
De acordo com a medida, o prazo para resposta é de até cinco dias – algo de difícil assimilação nos casos dos veículos on-line, que publicam notícias em tempo real. O argumento da diretoria é que os servidores precisam de tempo para responder aos pedidos de esclarecimento. O retorno de José Sarney ao comando do Senado provocou uma onda de denúncias sobre a conduta ética dos parlamentares e houve significativo aumento da demanda por informações.
Chá
Logo depois de eleito, no início de fevereiro, Sarney se reuniu em seu gabinete com cinco jornalistas que cobrem diariamente o noticiário político do Senado. Foram convidados representantes dos diferentes tipos de mídia: impressa, televisiva, radiofônica e on-line (internet), além do presidente do comitê de imprensa.
A idéia do encontro era racionalizar o acesso dos jornalistas às entrevistas de Sarney e demais componentes da Mesa Diretora, a fim de evitar tensões e tumultos. Em ocasiões especiais, como a notícia do afastamento de Agaciel Maia da diretoria-geral, os empurrões entre seguranças e profissionais da imprensa atrapalham o trabalho de todos os envolvidos.
Na reunião, também ficou acertado que Sarney concederia, de forma organizada, uma entrevista coletiva semanal sobre assuntos com mais destaque. Falaria da pauta legislativa e demais esclarecimentos de dúvidas, mas as respostas relacionadas às denúncias ficariam para diretores e servidores graduados.
Desde então, nenhuma entrevista coletiva foi concedida pelo presidente do Senado.
Na reunião de fevereiro, também foi discutida uma maneira de tentar eliminar a ação de lobistas travestidos de jornalista. Com livre acesso à sala de cafezinho do Senado, anexa ao plenário, e outras dependências, muitos credenciados escondem interesses privados por trás da busca pela notícia. Vez ou outra surgem reclamações de senadores constrangidos com o assédio dos falsos jornalistas em busca de favores ou informações “valiosas”.
O que parecia uma precaução justificável virou ameaça de restrições aos jornalistas de fato. Nos bastidores, Sarney usa o pretexto de barrar a ação dos lobistas para planejar a construção de uma espécie de parede de vidro entre a área do cafezinho e a tribuna da imprensa. A intervenção dificultaria ainda mais o já prejudicado acesso dos jornalistas aos senadores no calor das votações em plenário.
Nobreza
Com a justificativa de preparar o Salão Azul para a chegada do Príncipe Charles ao Congresso, em visita realizada em 11 de março, Sarney mandou arrancar os sofás há anos instalados na entrada da sala da presidência.
Os móveis ficavam fora do caminho por onde o nobre britânico chegaria à presidência. Mesmo assim foram arrancados (veja foto acima) e não retornaram mais. Os velhos sofás serviam ao igualmente nobre propósito de amenizar longas esperas sem o mínimo de conforto. Jornalistas chegam a esperar horas a fio, às vezes obrigados a sentar em um tapete pisado diariamente por centenas de pessoas, enquanto aguardam, por exemplo, o fim de uma reunião de líderes.
A assessoria diz que não há mudança de tratamento à imprensa, mas o senador pelo Amapá não quis atender à reportagem. Trata-se de uma contradição. Integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL), Sarney costuma se orgulhar por ter, na presidência da República, contribuído para consolidar a liberdade de expressão no Brasil.
Fonte: Congressoemfoco
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