Ovídio Rocha Barros Sandoval*
Em artigo anterior escrito algum tempo atrás em nossas queridas Migalhas, teci algumas reflexões sobre o STF (Migalhas 1.785 - 23/11/07 - clique aqui).
Comecei por ressaltar as palavras de Rui Barbosa em considerar o Supremo Tribunal Federal um "recanto de paz"e o "refúgio da Justiça". Recordei, em seguida, que é da tradição do Supremo o tratamento respeitoso, educado e cortês entre seus Ministros, durante os debates travados no Plenário e nas sessões de suas Turmas.
Todavia, naquela oportunidade, alguns fatos recentes e públicos demonstravam a quebra daquela vetusta e fantástica tradição. Os fatos, então relatados, tinham a presença do ministro Joaquim Barbosa. Em um deles interpelou de forma destemperada o Ministro Marco Aurélio sobre distribuição de um processo; em outro acusou, injustamente, o Ministro Eros Grau de conceder Habeas Corpus a um determinado réu levando em conta a sua posição social e, despropositadamente, estendeu sua descabida acusação aos demais ministros; em um terceiro episódio em debate travado em determinado caso, acusou o Ministro Gilmar Mendes de estar dando um "jeitinho" naquele julgamento.
Na última quarta-feira, a Nação brasileira assistiu perplexa um novo episódio, lamentável e triste, envolvendo a emblemática figura do ministro Joaquim Barbosa. Sua Excelência voltou à liça para personalizar uma atitude agressiva e descortês com o ministro Presidente da Corte Suprema Gilmar Mendes, como relatam os jornais e o áudio da sessão plenária.
Trechos do episódio são estarrecedores, ainda mais dentro do "recanto de paz" e "refúgio da Justiça" de que falava Rui Barbosa. Diante de uma discordância técnica de um caso em julgamento, o ministro Joaquim Barbosa partiu para a agressão verbal e pessoal, chegando ao despropósito de afirmar que o Ministro Gilmar Mendes estaria "destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro" e que deveria saber que "não está falando com seus capangas de Mato Grosso" e deveria sair "às ruas", como ele saia.
Em mais de quarenta e cinco anos dedicados, exclusivamente, ao cultivo do Direito e da Justiça, nunca pensei pudesse assistir, em minha vida, tão deplorável episódio e que jamais poderia estar presente em nossas mentes.
O impacto do ocorrido foi de tal ordem que levou os demais Ministros a lamentar o episódio e a reafirmar o respeito e confiança ao presidente Gilmar Mendes em sua atuação como Chefe do Poder Judiciário.
O ataque desabrido de que estaria o Presidente a destruir "a credibilidade do Judiciário brasileiro" é própria daqueles que são adeptos do "populismo judiciário" e que preferem, muitas vezes, adotar o "clamor público" como justificativa para suas decisões, esquecendo-se que foi o clamor público que levou o inocente Jesus Cristo a morte de Cruz e a libertação do facínora Barrabás e que, na Alemanha, levou Hitler ao poder, causando tanto mal à Humanidade.
O Presidente do STF teve a coragem de trazer ao debate o nefasto triunvirato formado entre Delegado, Promotor e Juiz na condução dos processos, no esquecimento de que Delegado é investigador, Promotor é parte interessada e o Juiz deve estar eqüidistante de ambos para poder proclamar a verdadeira Justiça. Denunciou a ilegalidade dos grampos telefônicos que transformaram o Brasil em um Estado policial, bem como mostrou quão absurdas são as operações escandalosas, especialmente, da Polícia Federal; o uso indiscriminado das algemas; os vazamentos das investigações à mídia, para um maior estardalhaço e lançando às urtigas o princípio constitucional da presunção de inocência. Teve a coragem, ainda, de chamar a atenção da consciência responsável da Nação para as invasões criminosas de grupos, como o MST, que usam a política, como arma de suas ações. Alertou os Juízes preocupados em aparecer na mídia, saindo às "ruas", que tal atitude depõe contra a dignidade da Justiça. A serenidade, o equilíbrio e a imparcialidade são valores perenes na personalidade do verdadeiro Juiz.
Se agir dessa forma é "destruir a credibilidade do Judiciário brasileiro", não é possível saber-se a que tipo de "credibilidade" se referiu o ministro Joaquim Barbosa em seu infeliz pronunciamento. A não ser que, para Sua Excelência, credibilidade do Judiciário brasileiro seja a defesa do "populismo judiciário", do "direito alternativo” e do "clamor das ruas" em favor dos juízes "populares" e que saem às "ruas".
A coragem do Presidente Ministro Gilmar Mendes de defender os verdadeiros valores do Poder Judiciário e da própria sociedade trouxe à minha memória a saudosa e querida figura do Ministro Ribeiro da Costa. Era Presidente do Supremo quando eclodiu o golpe militar de 1964 e corria a notícia de que o presidente Castelo Branco pretendia aplicar o Ato Institucional para aposentar alguns Ministros do Pretório Excelso. Ribeiro da Costa convocou a imprensa ao seu gabinete e deu a seguinte declaração: "Se for verdadeira a notícia de que se pretende, com ato de força, aposentar alguns Ministros, fecharei as portas do Tribunal e, seguindo a tradição grega, irei até o Palácio do Planalto e entregarei as chaves do Supremo ao Presidente da República". Naquela oportunidade, nada foi feito contra Ministros de nossa Corte de Justiça!
Portanto, todos aqueles que têm do STF e de seus eminentes Ministros o maior louvor e respeito não podem deixar de deplorar fato tão deplorável e constrangedor e, mais uma vez, tendo a participação descortês e agressiva do ministro Joaquim Barbosa.
Por fim, não se pode deixar de mencionar um fato triste que chegou ao meu conhecimento. O ilustre presidente da Secção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, ao ser indagado sobre o lamentável fato do último dia 22 de abril, informou que o ministro Joaquim Barbosa é o único Juiz do Supremo que não recebe advogados. Ao tomar conhecimento de tão triste circunstância, recordei-me de passagem de artigo escrito pelo saudoso e querido professor Noé Azevedo – um dos maiores advogados do século XX – no longínquo ano de 1927:
"Há juízes que entendem ser necessário ensimesmarem-se, fechando-se a dentro da muralha da toga, temerosos de se contaminarem ao contato com as partes, fugindo, como de ares pestilentos, a qualquer conversa com os advogados ou procuradores judiciais. Quem é realmente íntegro e dotado de verdadeiro espírito de justiça, não precisa blindar-se com esse manto de Proteu, tecido de falsa autoridade e genuína pedanteria, para, fumegando autoridade, manter os litigantes a certa distância, evitando o contágio da própria consciência, pelo vírus das incontidas paixões. Os caracteres retos, os espíritos puros, os juízes justos e fortes, são afáveis, atenciosos e acolhedores" (Artigo a propósito das "Novas Decisões" do Dr. Affonso José de Carvalho. Publicado na "Revista dos Tribunais", vol. 64, pg. 14).
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*Advogado do escritório Advocacia Rocha Barros Sandoval & Costa, Ronaldo Marzagão e Abrahão Issa Neto Advogados Associados
Fonte: Migalhas
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