Mau exemplo no exame da OAB
Juliana Rocha
O baixo índice de aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sem a qual bacharéis em direito são impedidos de exercer a advocacia, abre espaço para recém-formados e professores usarem a criatividade e desenvolverem técnicas de fraude. Alunos do Centro de Estudos Jurídicos Iuris, um curso preparatório para a prova da ordem no Rio, que aconteceu ontem, relataram ao JB que o professor João Romero Guimarães teria incitado, na aula do dia 4 de setembro, os alunos a colarem na prova. Romero é defensor da 8ª Vara de Família da Comarca da Capital.
Os alunos contaram que o defensor teria sugerido o uso de uma peça de direito de sua autoria, mas encadernado com a capa de um livro de legislação ou de doutrina. O edital do exame diz que os candidatos podem consultar durante a prova os livros de legislação, doutrina e repertório de jurisprudência. Mas são proibidos os formulários ou modelos de peças processuais, apostilas e livros com perguntas e respostas, fotocópias de qualquer espécie de material e apostilas e livros publicados por cursos preparatórios.
A segunda fase do exame da OAB do Rio foi realizado ontem em sete municípios, inclusive na capital. No Rio de Janeiro, aconteceu na sede a Universidade Veiga de Almeida e na Unigranrio.
O JB teve acesso a um dos exemplares fraudados. A capa é do livro de processo penal do famoso jurista Júlio Fabbrini Mirabete, assim como as primeiras páginas até o sumário. A partir daí, o conteúdo é uma cópia da peça do defensor João Romero, com cópias de provas já realizadas da OAB, incluindo respostas. O exemplar modificado foi adquirido por R$ 40 por um aluno do Iuris, que pediu anonimato, em uma casa de fotocópias na Av. México, 164, Centro. O aluno relata que foi à loja orientado por funcionários do curso, na sexta-feira.
A reportagem do JB entrou em contato com a casa de fotocópias por telefone. Em conversa gravada, o funcionário que atendeu o telefone disse que o defensor João Romero recomendou aos alunos que comprassem o livro de sua autoria naquela loja, porque atendia ao seu "padrão". Em seguida, explicou que o padrão do professor significa encadernar uma cópia do livro com uma capa de processo penal. Até a cor da capa poderia ser escolhida.
- Ele (João Romero) recomendou a vocês comprarem aqui o livro porque já temos o do padrão dele - informou o funcionário da loja. - A gente coloca o processo penal. Coloca a capa. Uma capa azul ou vermelha. Curso de processo penal na capa ou na lombada.
O funcionário disse ainda que o exemplar adulterado do livro estava sendo vendido desde o início do mês. E na sexta-feira, a dois dias do exame, restavam apenas quatro exemplares.
João Romero negou ao JB que tenha incitado qualquer tipo de fraude. O professor justifica que recomendou aos alunos a utilização de seu livro para estudo, mas ressaltou que esses não contêm peças privativas de advogados, vetadas para consulta. Justificou ainda que sugeriu aos alunos que tirassem cópias do livro, uma vez que a 3ª edição já estava esgotada.
- Como membro do corpo docente da OAB, não poderia jamais concordar com qualquer tipo de fraude, principalmente neste nível - justificou o defensor. - A única coisa que aconselho a meus alunos é estudar, e muito.
O coordenador da unidade do curso Iuris no Centro, que preferiu identificar-se apenas como Márcio, se contradisse ao comentar as denúncias. Primeiro, Márcio garantiu que jamais soube de qualquer tentativa de fraude nas publicações ou sugestão para que os alunos usassem livros adulterados na prova da OAB. Mas depois de cerca de 30 minutos de conversa, também gravada pela reportagem, o coordenador do curso disse que, há alguns dias, recebeu denúncia de uma aluna de que um livreiro estaria vendendo supostas cópias adulteradas. Márcio diz, então, que pediu a outra aluna para tentar comprar um desses exemplares para dar o flagrante, mas não conseguiu. Em seguida, mesmo sem provas, teria desfeito o acordo de concessão para o livreiro atuar nos limites do curso.
- Isso é contra toda a nossa filosofia. Até me causa espanto que nenhum aluno veio falar aqui na secretaria, muito menos falar comigo. Se tivesse falado comigo, na hora eu teria repreendido - afirmou Márcio, no primeiro momento. - Nós soubemos disso, não tivemos a comprovação, essa é que é a verdade, mas independente disso não queremos mais a parceria, não queremos mais ele aqui - afirmou, depois de ter admitido que recebeu denúncia de uma aluna.
O presidente da Comissão de Exame de Ordem da OAB, Marcello Oliveira, revelou ao JB que já havia recebido a denúncia de que cursos estariam incitando os alunos a elaborar colas de livros impedidos para consulta com capas de livros permitidos. Mas não tem informações de quais seriam os cursos e os professores. Por isso, a OAB emitiu há duas semanas uma nota para alertar os membros da ordem sobre a possibilidade desse tipo de fraude no dia da prova.
Oliveira garantiu que os fiscais das provas da OAB são preparados para detectar essa e outros tipos de fraudes, mas admitiu a dificuldade de encontrar conteúdo proibido quando encadernados em capas de livros permitidos.
- As provas vêm de Brasília trazidas pela Polícia Federal, para garantir o mais alto sigilo. E os fiscais são treinados para impedir isso. Mas uma peça poderia sim passar despercebida com outra capa.
O diretor da OAB garantiu que vai investigar as denúncias. Se comprovadas, o defensor público João Romero pode sofrer processo disciplinar.
- Se confirmadas essas denúncias, acho que cabe até uma medida criminal, por estar incentivando fraude no concurso - concluiu.
Fonte: JB Online
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