Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Vale insistir no tema, porque só não vê quem não quer. O terceiro mandato vem sendo preparado e significará formidável retrocesso no regime democrático, ainda que represente a única saída para os atuais detentores do poder, que não admitem perdê-lo.
A pergunta que se faz, assim, é a respeito de quem ou do que poderá evitar tão abominável mancha em nossa História. Que instituição nacional poderia liderar a resistência à continuidade do presidente Lula, com base na evidência de que só ele venceria as eleições de 2010, órfãos que se encontram o PT e penduricalhos de nomes capazes de aspirar à vitória.
É aqui que o País vai atrás da vaca, quer dizer, para o brejo, porque falta um grupo organizado em condições de mobilizar a opinião pública para obstar a avalancha que se prenuncia. Senão, vejamos:
Poderia o Congresso opor-se ao terceiro mandato? Nem pensar. Faltarão à Câmara e ao Senado forças até mesmo para impedir a Constituinte Exclusiva, parte fundamental da armação continuísta. Através de métodos variados, inclusive os pouco ortodoxos mensalões, o Legislativo tornou-se massa informe, insossa e inodora. Perdeu a força para resistir a qualquer coisa, envolto em nomeações e liberações de verbas. Nem adianta lembrar os partidos, apêndice desimportante do Congresso, sem ideologia ou doutrina senão a do interesse pessoal.
Caberia ao Judiciário esse papel? Também não. Mergulhado no formalismo jurídico, de um lado, e, de outro, na prolongada designação de seus ministros pelos detentores do poder, os tribunais superiores não teriam como objetar, caso a Constituição fosse alterada pela Constituinte Exclusiva ou pelo Congresso, dando aos futuros presidentes cinco ou seis anos de mandato, em vez de quatro. Não haveria sentença deixando de considerar que, no novo sistema, todos os brasileiros teriam direito de se candidatar. Inclusive ele.
Os militares já promoveram inúmeras intervenções no regime. Disporiam de motivação, agora, para insurgir-se? De jeito nenhum. Postas na defensiva, sucateadas e carregando o peso de excessos praticados faz pouco, às Forças Armadas falta aquela identificação natural com a opinião pública que, no passado, motivou boa parte de suas insurreições. Vai demorar muito, talvez uma eternidade, para que as armas voltem a falar. Ainda bem.
A Igreja Católica tem liderado movimentos de significativa expressão histórica, mas mobilizar os púlpitos para uma causa que baterá de frente com as massas dependentes do bolsa-família envolveria o risco de um racha dos diabos (com as devidas desculpas pela citação dos adversários). Utilizando linguajar cada vez mais hermético, ousaria a CNBB sequer condenar o terceiro mandato, quanto mais puxar a fila da resistência? No fim da leitura de um desses documentos divulgados com freqüência, ficaríamos sem saber se nossos prelados estariam contra ou a favor.
Das igrejas evangélicas nada haverá a esperar. Apesar do número crescente de parlamentares eleitos pelas diversas seitas, a praia deles é outra. Jamais se posicionariam contra o poder, do qual dependem senão para ampliar os cofres de suas organizações, ao menos para não sofrer a aplicação da lei que, em muitas situações, lhes causaria dificuldades para renascer.
Estaria nos sindicatos a força mobilizadora do sentimento democrático nacional? Só por milagre, tendo em vista, primeiro, o desgaste das centrais que não sensibilizam mais ninguém. Depois, porque o presidente conseguiu conquistar diretamente as bases populares, carecendo da intermediação sindical.
CUT, Força Sindical e sucedâneos deixaram de ser personagens principais para tornar-se coadjuvantes de um poder que pouca importância lhes dá. Jamais bateriam de frente com ele. Ao contrário, seriam ligeiros na adesão ao terceiro mandato. Vale o mesmo para o Movimento dos Sem-Terra, porque se nem Lula concretizou a reforma agrária, o que dizer da alternativa de um tucano?
A imprensa seria a instituição capaz de despertar o País para a defesa da democracia? Como costuma escrever mestre Helio Fernandes, a resposta só pode ser uma: "Ha! Ha! Ha!" Não houve um só movimento nacional, dos louváveis aos abomináveis, em que, diante da perspectiva de vitória, não contasse com o apoio quase unânime dos meios de comunicação.
Das ditaduras de 37 a 64 às libertárias reações democráticas, jamais os jornais, revistas, rádios e televisões se viram flagrados no lugar errado. Com o tempo, reajustam dispositivos e até empreendem reviravoltas de 180 graus. Mas para enfrentar o empuxo, jamais. Fora as exceções de sempre, por certo.
Outras instituições? Nem a Ordem dos Advogados do Brasil, nem a universidade, nem os intelectuais e os artistas, sequer o Ministério Público deteriam condições, ou ânimo, para interromper o estupro constitucional. Torceriam o nariz, umas, dariam de ombros, outras, mas não ousariam sair à frente de uma reação que não acontecerá.
E quem imaginar no empresariado a salvadora linha de resistência receberá o primeiro prêmio na copa da ingenuidade. Ou não estão os bancos e o sistema financeiro faturando como nunca faturaram? Os exportadores jamais negociaram tanto. Industriais, praticantes do agronegócio e comerciantes só se insurgiriam caso ameaçados seus interesses.
Em suma, quando vierem estabelecer o terceiro mandato, não haverá uma só instituição disposta a insurgir-se e a arregimentar o sentimento democrático nacional. Num primeiro momento prevalecerá o conselho da ministra Marta Suplicy: imaginarão todos relaxar; quanto a gozar, nem tanto...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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