Por Fernando Porfírio
Estado policial
Prova obtida a partir de invasão de residência é nula
por Fernando Porfírio
Um barraco, um casebre, uma mansão ou palácio estão igualmente protegidos pelo princípio constitucional da inviolabilidade. Essa foi a tese da Justiça Federal de São Paulo para absolver dois acusados dos crimes de receptação, falsificação de moeda e guarda de maquinário para falsificar moeda. As provas foram obtidas pela Polícia dentro da casa dos acusados, mas sem mandado judicial. Por isso, foram rejeitadas.
A Justiça considerou ilícitas as provas apresentadas pela Polícia e pelo Ministério Público contra Wesley Meireles da Silva e Jonas Calixto da Silva, moradores da periferia da capital paulista. Na opinião do juiz Ali Mazloum, que absolveu os réus, houve violação de domicílio e invasão da memória de computador sem autorização judicial.
A denúncia narra que, em março do ano passado, Wesley e Jonas foram surpreendidos ocultando uma perua Kombi com 124 caixas de cosméticos da Avon, bolsa e aparelho de som que pertenciam a Saulo Almeida da Silva. No mesmo local, onde supostamente morava Jonas, a Polícia encontrou máquinas e computador usados para falsificação de dinheiro, além de 248 cédulas falsas de R$ 10,00. Em outro casebre, os policiais acharam mais 14 notas de R$ 10,00. Jonas foi preso em flagrante e Wesley, dias depois.
As acusações contra os dois nasceram de uma notícia anônima de que em uma área invadida havia uma carga de perfume roubada. A Polícia foi conferir a informação e, a um quilômetro do barraco onde morava Jonas, encontrou uma perua Kombi com a carga. Depois os policiais teriam encontrado Wesley. Este falou que estava trabalhando e mostrou o local onde morava. No barraco, a Polícia encontrou parte das notas falsas. Em seguida, os policiais invadiram outro barraco e acharam o restante das notas e o maquinário. Neste local também foram apreendidos documentos de Jonas.
Sem autorização
O caso foi parar na Justiça Estadual. Depois, transferido para a Federal. A denúncia recebida. Em junho, foi revogada a prisão preventiva de Jonas e de Wesley. Em alegações finais, o Ministério Público Federal pediu a absolvição dos acusados pelo crime de receptação e a condenação pelos delitos de falsificação de moeda e guarda de apetrechos para falsificação. A Justiça negou o pedido por entender que as provas dos autos não refletiam a dinâmica dos fatos narrados pela Polícia e pelo MPF.
“A diligência policial decorreu única e exclusivamente de uma denúncia anônima relativa a uma carga de mercadorias”, afirmou na sentença o juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo. “E, sem qualquer motivo aparente, os policiais deram com o pé na porta do barraco onde supostamente morava Jonas, invadindo o aposento sem ordem judicial. É evidente ter havido indevida violação de domicílio”, completou o juiz.
No entendimento de Mazloum, a dispensa de ordem judicial para entrar em casa alheia, sem autorização do morador, só é possível em casos como desastre, prestação de socorro ou em razão de flagrante delito. “No barraco de alvenaria onde cédulas e supostos apetrechos de falsificação foram encontrados, não ocorria desastre, nem alguém necessitava de socorro. Não havia, no momento, sequer algum morador em situação de flagrância”, afirmou.
Provas ilícitas
Para o juiz, o fato de a carga estar próxima do barraco não autorizava sua invasão, porque não havia indicativo de que o morador, ausente, seria o suposto ladrão ou receptador da carga. O magistrado ainda argumenta que muito menos se poderia presumir que o morador guardava moeda falsa ou apetrechos para a falsificação. “Vale dizer que a invasão do barraco decorreu de pura exibição de força, da vontade pessoal e arbitrária dos milicianos, sem qualquer amparo legal”, completou Ali Mazloum.
Com esses argumentos, o juiz chegou à conclusão de que as provas produzidas para incriminar os dois moradores foram ilícitas, porque empregou-se meio que violou as regras básicas do direito. Segundo o juiz, a prova afrontou a Constituição Federal, pois a apreensão das moedas falsas, em casa habitada, aconteceu com “patente violação de domicílio”.
A Justiça considerou que a Polícia também não estava autorizada a violar a memória do computador. Não havia ordem judicial para isso. Laudo da perícia técnica apontou a existência de dois arquivos suspeitos, mas a Justiça entendeu que esse dado era insuficiente para afirmar que o equipamento foi usado para falsificar moeda. Para o juiz Ali Mazloum, o equipamento estava protegido pelo sigilo de dados.
Revista Consultor Jurídico, 10 de setembro de 2007
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