Escrito por Léo Lince
O processo de mercantilização da política está ultrapassando, no Brasil de hoje, o perigoso ponto a partir do qual não há retorno pacífico. O poder do dinheiro sempre teve o seu peso na política, mas nunca (na história deste país, como diria Lula) foi tão escancarado. É impressionante.
O deputado ostenta que vendeu o voto e ainda cobra em altos brados ao Poder Executivo pelo serviço prestado. E o Executivo, ao pagar, faz girar a roda da fortuna que desmoraliza e apequena o Legislativo. Tudo normal, quase ninguém mais se espanta com semelhante absurdo.
Uma outra faceta deste padrão pervertido de política vai ocupar espaços nos jornais das próximas semanas: a intensificação do troca-troca de legendas. Sempre neste período, entre os meses de setembro e outubro nos anos de entressafra eleitoral, ocorre uma regular e recorrente revoada de políticos em busca de novos acasalamentos partidários.
São os prazos da legislação eleitoral. Só disputa a eleição de 2008 aquele que estiver filiado ao mesmo partido um ano antes. Como os próprios partidos, na sua ampla maioria, não fazem fé em programas e princípios (muito menos os governos, que se sustentam em coalizões que mais parecem quadrilhas), o que regula o troca-troca de legendas é o cálculo do interesse puro. Um Deus nos acuda.
Como nos casos dos times de futebol, os jogadores da política trocam de camisa ao fim de cada temporada. São “profissionais”. Não brincam em serviço. A reforma política morreu no Congresso, mas a “fidelidade partidária” ganhou regulamentação nova: foi definido o período em que os “passes” serão negociados no mercado. Os que fazem negócios na política poderão atuar de forma mais organizada e eficaz.
É duro, mas inevitável constatar. Estamos vivendo, no Brasil de hoje, um interregno bizarro, marcado pela hegemonia absoluta da pequena política. Uma tristeza. A grande política sumiu do mapa, entrou em eclipse. A rotina opaca do continuísmo envergonhado é o ambiente onde só prosperam as transações tenebrosas. A simbiose Lula-Renan é uma das expressões mais acabadas deste momento triste.
Como engrenagem de rodas dentadas, os poderes da República operam sob o signo do abastardamento da política. A realidade social, governada pelo modelo excludente, reproduz violência e desigualdade, elementos que alimentam o padrão dominante na política. Aparentemente, um beco sem saída. Fora da política, não há saída para a crise. E dentro dela, mantida a hegemonia da pequena política, também não há saída. O troca-troca e o rearranjo no interior das forças dominantes só transfere a crise de lugar.
Em nossa história recente, sempre que se defrontou com situações deste tipo, a cidadania brasileira teve que intervir para conjurar a catástrofe. Nos tempos soturnos da ditadura, as chamadas estruturas intermediárias da sociedade foram espaços salvíficos para a retomada da grande política. Buscar as estruturas intermediárias de poder na sociedade e retomar a iniciativa cidadã são os caminhos para sair do pântano.
Léo Lince é sociólogo.
Fonte: Correio da Cidadania
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domingo, setembro 30, 2007
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