Detalhe do charme das araras-azuis: a coloração amarela em volta dos olhos e no bico Meio ambiente
O refúgio onde a arara-azul é feliz
Em 20 anos, projeto triplicou a população da espécie na região do Mato Grosso do Sul, que hoje chega a aproximadamente 5 mil aves
| Vinicius BorekiO reconhecimento chega após anos de teimosia, superando a falta de pesquisas e a dificuldade de logística. Há duas décadas, praticamente inexistiam informações sobre o comportamento e o modo de vida dos pássaros. Hoje, conhecem-se os modos de reprodução, as características típicas, e a evolução (do nascimento até o primeiro voo). Para rodar pelo Pantanal, Neiva precisava de veículo adequado às condições locais: alagada na cheia e acidentada na seca. Encontrou acolhida na Toyota, que cedeu de início um jipe Bandeirante. Atualmente, o projeto conta com três caminhonetes Hilux. O próximo passo da parceria será a construção de um Centro de Sustentabilidade, em Campo Grande.
Diversidade
Pantanal mistura ecossistemas
As araras-azuis são as maiores representantes dos psitacídeos, família de aves em que estão incluídos periquitos, papagaios e araras. Pássaros de belas plumagens e que, por esse motivo, são muito visados pelo tráfico de animais e pela caça indígena. O Pantanal, porém, tem muito mais a mostrar do que esses pássaros. Na região, existem aproximadamente 1,1 mil espécies de borboletas, 262 de peixes, 50 de répteis, 650 de aves, 80 mamíferos e 1,7 mil de vegetação. “A variação entre cheia e seca permite essa diversidade”, explica Neiva Guedes. O padrão alternativo possibilita ver características de outros ecossistemas brasileiros, como o Cerrado e a Mata Atlântica.
Pesquisa tem apoio do “GPS mental” de Cezar
Carlos Cezar Corrêa, assistente de pesquisa do Projeto Arara-Azul, carrega um GPS atualizado do Pantanal. Um GPS mental. Em vez de se orientar por prédios e esquinas, ele se baseia na luz do sol, nas árvores e nas trilhas seguidas pelo gado de corte criado nas fazendas da região. “É mais fácil do que andar em São Paulo”, garante. Quando Cezar deixa uma das pistas da fazenda, o passageiro pode ter uma convicção: um ninho, em breve, será encontrado. A certeza invariavelmente se confirma. “Fui escoteiro, militar. Conheço o posicionamento do sol, o que me ajuda muito. Há também o pessoal do Pantanal, que ensina os caminhos”, revela.
O projeto, idealizado em 1989 por Neiva Guedes, deu origem ao instituto
O “brincar de Deus” foi essencial para afastar o perigo de extinção do pássaro (a ararinha-azul, cujo último exemplar na natureza foi visto em 2000, existe apenas em cativeiro). A razão para o risco estava na intensidade do tráfico de animais até a década de 80, sobretudo em razão de sua característica exibicionista. “Ela se adapta muito bem ao cativeiro”, explica Neiva. Ao contrário de outras espécies, a arara-azul não se assusta com a presença do homem, e sua personalidade solidária atrai outras aves quando começam a gritar, somando quatro ou cinco casais de pássaros simultaneamente em uma mesma árvore. Ao menos hoje, o tráfico de animais e a caça indígena são problemas menores.
A atuação do projeto, que virou instituto em 2003, consiste em monitorar ninhos naturais, instalar e acompanhar abrigos artificiais –pequenas “casas” de madeira construídas com material específico e adotadas pelas araras e outros animais –, marcar os pássaros nascidos, coletar material biológico e mapear ninhos desconhecidos. Esporadicamente, tratam de aves machucadas. Ao todo, 400 ninhos naturais e 220 artificiais foram observados e boa parte continua sob vigília. Araras-vermelhas, tucanos, gaviões e animais terrestres, como veados, antas, tamanduás-bandeiras e onças, encontram abrigo mais tranquilo no Pantanal graças ao projeto, pois seu foco chega à comunidade, incentivando a defesa da fauna e da flora.
Os bons resultados, contudo, não permitem intervalo no trabalho. A reprodução da arara-azul não é das mais intensas e, apesar de “apenas” 13% da área total do Pantanal ter sido modificada pela ação humana, a árvore predileta para os ninhos (o manduvi, cuja semente é espalhada pelos tucanos) desaparece a cada ano. Como os animais são fiéis aos abrigos (procuram sempre o mesmo local para se reproduzir) e aos companheiros (são monogâmicas), as casas artificiais conseguem enganar a natureza. É necessário, porém, preservar o vegetal. “As araras-azuis têm função de engenheira ambiental. Encontram buracos feitos por pica-paus, por exemplo, e o aumentam. Depois, outras espécies ocupam também. O mesmo ocorre nos ninhos artificiais”, esclarece Neiva.
Dificuldade natural
A cada 100 ovos postos por araras-azuis, apenas 60 eclodem. Os desafios desses sobreviventes não param por aí. Eles precisam resistir à predação de gaviões e tucanos e ao ataque de doenças e de pequenos insetos. Muitos são mortos quando os pais saem juntos em busca de alimentos. Apesar de a maior parte dos casais colocar dois ovos em média, geralmente apenas um filhote sobrevive e é criado pelos pais por aproximadamente nove meses. Ou seja, o comportamento natural dificulta o trabalho. Sua alimentação se baseia em apenas dois frutos de palmeiras: o acuri e a bocaiuva.
Artigos
A evolução do saber sobre os pássaros se conecta com o Instituto Arara-Azul. Desde 1989, o conhecimento se disseminou, gerando artigos e publicações em congressos nacionais e internacionais. No total, as araras-azuis foram tema de 77 apresentações em congressos e de 19 artigos. A base do projeto desde 1998, no Refúgio Ecológico Caiman, em Miranda, é constantemente procurada por biólogos e outros pesquisadores. “Sempre estamos ajudando em pesquisas e em imagens”, conta Carlos Cezar Corrêa, assistente de pesquisas. A pequena equipe é, atualmente, composta por outras quatro pessoas: as biólogas Ana Maria Faldine, Grace Ferreira, Juliana Rechetezo e Fernanda Fontoura.
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O jornalista viajou a convite da Fundação Toyota.
Fonte: Gazeta do Povo