Dora Kramer
Se fala errado é porque vem do “povo” que assim também se expressa. Se é grosseiro, isso resulta da indignação com as condições em que vive o “povo”. Se ofende, é sua maneira de se defender do preconceito das “elites”
Quando o presidente da República se dá ao desfrute de falar palavrão em cerimônia oficial, quase nada de inédito resta para ser visto e ouvido. Assim que pronunciou o termo – dos mais comuns, diga-se, usado como sinônimo de “sorte” no teatro e inadequadamente incorporado à linguagem escrita em jornais e revistas –, o presidente Luiz Inácio da Silva percebeu a grosseria.
“É lógico que eu falei um palavrão aqui. Amanhã os comentaristas dos grandes jornais vão dizer que o Lula falou um palavrão.”
Porém, como de hábito, o presidente não se deu por achado. “Mas eu tenho consciência de que eles falam mais palavrão do que eu todos os dias. Tenho consciência de como é que vive o povo pobre deste país”, emendou ao molde do velho truque de dizer que faz o que todo mundo faz e justificar exorbitâncias verbais pela representação de identidade social nelas contidas.
Se fala errado é porque vem do “povo” que assim também se expressa. Se é grosseiro, isso resulta da indignação com as condições em que vive o “povo”. Se ofende, é sua maneira de se defender do preconceito das “elites”.
Aceito o critério, torna-se aceitável também que o presidente dê vazão a seus impulsos e rebaixe cada vez mais o palavreado para se juntar ao “povo”. Lá embaixo, onde, por esse raciocínio, é o lugar do “povo”.
Notadamente em estados como o Maranhão, onde o presidente Lula oficializou a introdução do uso da palavra chula na liturgia do cargo e a “elite dominante” mantém há décadas o “povo” na convivência dos piores índices de (sub)desenvolvimento social do país.
São tantos os absurdos ditos por Lula que nada mais que o presidente diga soa assim tão absurdo. Se amanhã ou depois ele resolver usar palavras mais pesadas, dirão que o fez em razão de seu crescente grau de indignação.
E talvez seja aplaudido por isso, como ocorreu na cerimônia no Maranhão. Muito possivelmente sob o argumento de que tudo é permitido a quem internamente é aprovado por mais de 80% da população e externamente é escolhido “personagem do ano” pelo jornal El País, um dos melhores e mais respeitados do mundo.
Se à maioria assim parece, que seja. Apenas causa algum desconforto que a lógica não seja a oposta: exatamente por contar com alta popularidade e prestígio internacional é que o presidente poderia aprimorar no lugar de deteriorar sua conduta e linguajar.
Usar esse capital fenomenal para elevar, não rebaixar, o nível geral. A começar, por exemplo, por conferir qualidade à indignação com as condições de vida do “povo”.
Do que vale uma frase de efeito ante a realidade de celebração da família Sarney, dona do Maranhão, com tentáculos no Amapá, ambos entre os cinco piores estados no índice de desenvolvimento dos municípios medido pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, em 2008?
O Maranhão é o campeão do ranking e o Amapá fica em quarto lugar. Nenhum reparo, ao contrário, é feito sobre a participação da família por Lula tão festejada na manutenção do “povo” daqueles estados na condição definida pelo presidente com uma palavra chula para expressar uma aversão que verdadeiramente não sente.
Donde a grosseria é puramente gratuita.
Retrocesso
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal se apegou ao aspecto técnico para negar a suspensão da proibição ao jornal O Estado de S.Paulo publicar informações sobre a operação da Polícia Federal que investiga Fernando Sarney, filho do presidente do Senado.
Como disse ontem o pai do investigado, “decisão do Supremo, respeita-se”, não obstante o Senado tenha recentemente tentado resistir ao cumprimento da decisão do STF de cassar o mandato do senador Expedito Júnior.
Mas fato é que, no conceito, o resultado do julgamento do Supremo imprime um caráter relativo à liberdade de imprensa consagrada na Constituição como valor absoluto.
Afirmou com propriedade do ministro Celso de Mello: “O poder de cautela é o novo nome da censura no nosso país”.
Fica consagrado o preceito defendido pelo ministro Eros Grau de que a aplicação da lei não é censura e que qualquer juiz, por qualquer motivação, tem nas mãos o poder de subtrair do cidadão o direito à informação.
Quando a ditadura vigia, pautava-se também por suas leis de exceção sustentando sua legitimidade na legalidade da ocasião.
Jogada ensaiada
Ao adiar por oito dias a decisão de expulsar o governador José Roberto Arruda de suas fileiras, o DEM conferiu ao correligionário a prerrogativa da saída honrosa. Por algum motivo o partido perdeu deliberadamente a chance de fazer um gesto forte. Alegou receio de reação jurídica por parte de Arruda, preferindo ignorar que o caso, no âmbito partidário, é político e o prejuízo da hesitação ficou com o DEM, que ainda tinha algo a perder: o poder da iniciativa.