Dora Kramer
Sempre cuidadoso, desta vez Lula escorregou num ato falho cometido no improviso de uma fala qualquer que pudesse traduzir indiferença à hipótese de uma chapa puro-sangue do PSDB
Na essência, o presidente Luiz Inácio da Silva está certo na análise que faz das ditas vantagens eleitorais da oposição. A dianteira do governador José Serra não significa que o resultado da eleição presidencial lhe será favorável em outubro de 2010, bem como a hipótese da formação de uma chapa com Serra na cabeça e Aécio Neves de vice não produz uma vitória certa.
Além de águas a mancheias para rolar, há no meio das fórmulas bem engendradas pelos partidos, o sentimento do eleitorado. Este não obedece a contas matemáticas. A soma dos eleitores de Minas e São Paulo – os dois maiores colégios eleitorais, representando quase um terço do eleitorado brasileiro – não se dá automaticamente.
Da mesma forma como a popularidade do presidente da República não se transfere mecanicamente para quem quer que seja. Mas, como na política vale mais a forma que o conteúdo, o presidente Lula sem querer acabou marcando um gol contra no embate com a oposição. Sempre cuidadoso, desta vez Lula escorregou num ato falho cometido no improviso de uma fala qualquer que pudesse traduzir indiferença à hipótese de uma chapa puro-sangue do PSDB.
“Acho que num time de futebol nem sempre dois Coutinhos e dois Tostões, dois Dirceu Lopes dariam certo no mesmo time. Às vezes é preciso uma composição diferenciada para dar certo”, disse o presidente. Na tentativa de desqualificar, acabou levantando a bola para o adversário chutar.
“Quando o jogador é muito bom, dá para duplicar”, rebateu José Serra. Recebeu, de graça, a chance de sublinhar que Lula os havia qualificado de craques e a oportunidade de abordar pela primeira vez em público aquilo que já corria nos bastidores: seu desejo de ter Aécio como companheiro de chapa.
O governador de São Paulo deu, assim, mais um passo sem precisar dizer que estava caminhando. E Lula, que não tem por hábito distribuir elogios a não ser a si mesmo, perdeu-se na confusão de produzir uma declaração que é o oposto do pensamento em vigor nas hostes governistas.
Tanto quanto a oposição deseja, o governo teme a concorrência conjunta de dois políticos de expressão nacional, com votos e influência nos dois colégios eleitorais que somam um terço do eleitorado de todo o país.
Quem acompanha política se lembra de que o PT e o Palácio do Planalto sempre apostaram na divisão do PSDB como forma de o partido inviabilizar por si mesmo as suas possibilidades eleitorais.
Não que isso esteja fora do cenário. Quando a campanha começar é que o tucanato mostrará se vai para a eleição afinado ou atabalhoado, como ocorreu nas duas últimas presidenciais. Mas o sonho de consumo do governo, a saída de Aécio Neves do partido, não se concretizou. E se a esperança era a briga interna é porque a unidade soava ameaçadora. E continua soando ainda mais agora que o mineiro saiu do páreo.
A chapa “pura”, se sair, define a eleição? Não, mas dá um trabalho danado e obriga o governo a reforçar suas tropas em dois estados onde o PT já esteve forte, mas, por razões distintas, deixou o terreno ser ocupado pelo adversário.
Lula chama
Prova de que o governo sentiu o impacto do gesto de Aécio – e não da forma positiva como rezam as versões palacianas – que o presidente Lula saiu a campo de imediato. Ao seu estilo simplificador, fazendo uso de metáforas que supostamente facilitam o entendimento, mas de fato nada têm a ver com a realidade do assunto tratado, o presidente provoca José Serra a sair da toca para responder às suas declarações.
Se conseguir, terá obtido sucesso no projeto de criar um clima de plebiscito já nas preliminares da campanha eleitoral. A ofensiva não é só no campo da política. Não são ocasionais as manifestações de Lula e do presidente do Banco Central a respeito dos efeitos da eleição sobre a economia.
Henrique Meirelles prevê “tensões” e Lula aponta Dilma como fiadora exclusiva da continuidade da atual política. A ideia é nitidamente explorar as desconfianças que o mundo dos negócios nutre em relação ao grau de intervencionismo de Serra.
Antiga musa
Em meados do ano o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, e o presidente da Casa, Michel Temer, diziam que Temer só não seria indicado para vice se Aécio formasse dupla com Serra e Hélio Costa precisasse ser escalado para compor a chapa com Dilma, a fim de disputar o eleitorado de Minas.
Isso foi antes de Costa liderar as pesquisas para governador do estado.
Acelerados
“O processo eleitoral está tão antecipado que já tem vereador querendo discutir boca de urna.” De Geddel Vieira Lima, ministro da Integração Nacional e pré-candidato ao PMDB ao governo da Bahia.
Fonte: Gazeta do Povo