Atingido por ataque de drone em Cabul, Ayman al-Zawahiri (dir.) geria decadência da rede terrorista
Para um presidente assombrado pelos piores índices de popularidade a esta altura do mandato desde a Segunda Guerra Mundial, até que os últimos dias trouxeram um alento ao americano Joe Biden. As primeiras boas notícias vieram do Congresso, onde suas iniciativas andavam paradas. O Senado aprovou na semana passada uma lei para financiar a produção de semicondutores, e Biden enfim convenceu o senador relutante que emperrava sua agenda ambiental a apoiar parte dela. No front externo, o entrevero com a China em torno da visita oficial de deputados a Taiwan pode ter ofuscado a operação que eliminou Ayman al-Zawahiri, líder da organização terrorista al-Qaeda desde o assassinato de Osama bin Laden, em 2011 — mas não diminui seu valor simbólico.
Se o jihadismo parece hoje uma ameaça menor que no passado, isso se deve em boa parte ao êxito das políticas adotadas pelos governos ocidentais para combatê-lo. Depois de afundarem no pântano da guerra na Síria, os serviços de inteligência aprenderam com seus erros e tiveram êxito em desmantelar redes ligadas aos dois principais grupos terroristas, a al-Qaeda e seu rebento rebelde, o Estado Islâmico.
Enquanto Bin Laden era a liderança carismática, uma espécie de coração vital da al-Qaeda, Zawahiri era o cérebro, a mente que articulava a estratégia. “A al-Qaeda jamais teria sobrevivido sem a dinâmica que criaram juntos”, escreveu Lawrence Wright, autor de uma das principais obras sobre a rede terrorista. Depois de ampliá-la de 400 no 11 de Setembro aos atuais 4 mil integrantes, Zawahiri nos últimos anos tinha de lidar com o declínio da influência de um movimento que antes ditava a política externa do Ocidente para o Oriente Médio e países da Ásia.
Filho da elite egípcia com formação acadêmica sólida, médico e cirurgião competente, Zawahiri foi o mais bem-sucedido discípulo do maior ideólogo do jihadismo, o egípcio Sayyid al-Qutb. Criou sua primeira célula aos 15 anos e, com diferentes graus de envolvimento, tomou parte em dezenas de atentados — do assassinato do premiê egípcio Anuar Sadat aos ataques da al-Qaeda às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia e ao porta-aviões USS Cole, no Iêmen, nos anos 1990 e 2000.
Seu perfil pragmático o levava a ter reservas diante de ações cinematográficas no Ocidente, como o 11 de Setembro. Apesar de apoiar os ataques ao “inimigo distante” na Europa ou nos Estados Unidos, Zawahiri preferia concentrar esforços no “inimigo próximo”, os regimes seculares ou “infiéis” que comandavam países do próprio Oriente Médio. As divergências de “método” o levaram à ruptura com o Estado Islâmico. Desde o retorno do Talibã ao poder no Afeganistão no ano passado, voltara a comandar a reestruturação da al-Qaeda de Cabul, onde, de acordo com o governo americano, foi atingido pelo ataque certeiro de um drone.
Sob Zawahiri, a al-Qaeda jamais voltou a ter o vulto que teve no passado, mas continua a representar um risco, sobretudo depois da retirada atabalhoada dos americanos do Afeganistão, onde os terroristas sempre mantiveram bases de treinamento. Os planos originais de domínio sobre o Oriente Médio, porém, fracassaram todos. As dificuldades das redes jihadistas para articular novos ataques só cresceram nos últimos anos, e a operação que alvejou Zawahiri é apenas a evidência mais recente disso. Trata-se de uma boa notícia não apenas para Biden.
O Globo