Publicado em 4 de junho de 2022 por Tribuna da Internet
Joaquim Falcão
Estadão
Decisões revertendo cassações de deputados são apenas sintoma de doença mais grave: o modelo decisório da Corte
As decisões do ministro Nunes Marques suspendendo a cassação de dois deputados bolsonaristas pelo TSE são apenas sintoma de doença mais grave. Que doença é esta? Como descrevê-la? Tem cura? É a seguinte. Pela Constituição, o Supremo é um órgão coletivo. Seu poder, legitimidade e independência vêm da coletividade decisória.
Tudo depende da participação de todos os ministros nas decisões. Justamente para evitar o que Nunes Marques fez agora.
DECISÕES SOLITÁRIAS – A doença, portanto, é o modelo decisório que o Supremo se autopratica. Se não mudar o modelo, o sintoma volta. A doença progride. Possivelmente até com ministros uns contra os outros.
O autofágico modelo decisório resulta do exagero de recursos, da estratégia dos advogados e procuradores e do vácuo de prazos decisórios. Tudo junto, permite-se que ministros ajam, cada um, sendo o próprio Supremo, em decisões solitárias.
Resultou nos “onze supremos”. Até mais, se somarmos as turmas, a Presidência e o Plenário. Todos com pelo menos quinze minutos de fama.
TUDO EM EXCESSO – Talleyrand, notável político francês do século XVIII, dizia que “tudo em excesso torna-se insignificante”. É o que acontece. Quando se tem onze ou mais supremos, tem-se supremo nenhum.
Catarina, a Megera Domada de Shakespeare, na tradução de Millôr Fernandes, encerrava a peça dizendo: “Quanto mais queremos ser, menos somos”.
Deu no que deu. No que está dando. Um Supremo de temporários. Onde a decisão de um só ministro é final enquanto dura. Assim, decisões isoladas de ministros podem ser apenas “fake narrativas processuais”.
QUESTÃO DE COMPORTAMENTO – Não se trata de discutir se Nunes Marques tem ou não competência para suspender ou revogar decisões do TSE. Nem se estaria abrindo nova porta processual autônoma no Supremo: a “tutela provisória antecipada”. Muito menos sobre qual o prazo para levar ao Plenário.
A questão não é mais de interpretação legal. É de comportamento individual. Como deve se comportar um ministro? Qual sua visão de Supremo? Seus compromissos?
Palavras sozinhas não geram independência decisória necessária. Afinal, o que é, para Nunes Marques, o Supremo no Estado Democrático de Direito?
É HORA DE MUDAR – Só o Supremo pode curar o próprio Supremo. Se o Congresso aprovar lei ou emenda constitucional tentando diminuir os onze supremos para apenas um, como determina a Constituição, o atual individualismo exagerado vai reagir. Vai dizer que o Congresso não pode interferir. Fere a cláusula pétrea de separação e independência dos Poderes.
Na democracia, quem é independente é o Supremo coletivamente. Com este modelo decisório baseado no monocratismo, o Supremo criou o seu próprio vírus.
Muda, Supremo!