Em seu relatório anual sobre liberdade de imprensa, ONG acusa Bolsonaro de apresentar mídia "como inimiga do Estado". Entidade afirma que jornalistas enfrentam "ambiente cada vez mais tóxico" na América Latina.
O "caos da informação" e a desinformação alimentam as tensões e divisões internacionais dentro das sociedades, alertou nesta terça-feira (03/05) a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) na edição de 2022 de seu ranking mundial de liberdade de imprensa.
No total, 73% dos 180 países que a ONG avalia anualmente caracterizam-se por situações julgadas "muito graves", "difíceis" ou "problemáticas" quanto à liberdade dos jornalistas no exercício de sua profissão.
Essa proporção é idêntica à do ano passado, mas o número de países onde a situação é "muito grave" atingiu um recorde, 28, incluindo Cuba, Nicarágua e Venezuela; enquanto apenas oito países – incluindo Portugal e Costa Rica – apresentam uma "boa situação", em comparação com 12 no ano passado.
Na América Latina, a RSF destaca que jornalistas enfrentam um "ambiente cada vez mais nocivo e tóxico". De acordo com o relatório, a crise do coronavírus desempenhou em 2021, tal como no ano anterior, um papel de aceleradora da censura, "causando sérias dificuldades econômicas para a imprensa e graves barreiras de acesso a informações sobre o manejo da epidemia pelos governos".
Retórica antimídia
A ONG afirma que, no continente, a desconfiança em relação à imprensa aumentou, "alimentada pela retórica antimídia e pela banalização do discurso estigmatizante da classe política", especialmente no Brasil, em Cuba, na Venezuela, na Nicarágua e em El Salvador.
"Cada vez mais visíveis e virulentos, esses ataques públicos enfraquecem a profissão e incentivam processos abusivos, campanhas de difamação e intimidação – principalmente contra mulheres – e assédio online contra jornalistas críticos", destaca a entidade.
De acordo com o texto, apenas a Costa Rica é considerada em boa situação entre os países latino-americanos.
Já o Brasil está entre os países com uma situação "problemática", aparecendo em 110º lugar entre 180 nações, atrás da Zâmbia e à frente de Mali. Embora tenha melhorado uma posição em relação ao 111° lugar no relatório do ano passado, a pontuação geral do país caiu de um ano para o outro, de 63,75 para 55,36.
A RSF pondera, entretanto, que devido a adaptações de metodologia, "as comparações de classificação e pontuação entre 2021 e 2022 devem ser feitas com cautela".
Para elaborar a classificação, a RSF utilizou um método baseado em cinco indicadores: contexto político, marco legislativo, contexto econômico, contexto sociocultural e segurança.
Ataques de Bolsonaro
A RSF destaca que, desde a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro, "que ataca regularmente jornalistas e a mídia em seus discursos", "as relações entre o governo e a imprensa se deterioraram significativamente".
A ONG afirma que Bolsonaro "ataca regularmente a imprensa, mobilizando exércitos de apoiadores nas redes sociais", numa "estratégia bem coordenada de ataques com o objetivo de desacreditar a mídia, apresentada como inimiga do Estado".
A entidade afirma que entre os desafios para o avanço da liberdade de imprensa no Brasil estão "a violência estrutural contra jornalistas, um cenário midiático marcado pela alta concentração privada e o peso da desinformação".
De acordo com a RSF, ao longo da última década pelo menos 30 jornalistas foram assassinados no Brasil, o segundo país mais letal da região neste período para jornalistas. Entre os mais vulneráveis, conforme a ONG, estão aqueles profissionais "que trabalham em municípios de pequeno e médio porte e que cobrem corrupção e política local". A entidade sublinha que continua a crescer no país o assédio e a violência online contra jornalistas, especialmente contra mulheres.
A RSF destaca uma "polarização em dois níveis" entre e dentro dos países, alimentada pelo "aumento do poder dos circuitos de desinformação" nas sociedades democráticas e pelo "controle da mídia" em regimes autoritários.
"A criação de um arsenal de mídia em alguns regimes autoritários priva os cidadãos de seu direito à informação e contribui para o aumento das tensões internacionais que podem levar às piores guerras", disse o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, através de comunicado.
Com "pelo menos sete jornalistas mortos", o México continua sendo o país mais letal do mundo para a imprensa, ocupando o 127º lugar entre 180 na lista geral, mas o 179º no indicador de segurança.
Situação "muito grave"
Na escala que descreve a situação como "muito grave", a partir da posição 153, estão Venezuela (159) e Nicarágua (160), que de um ano para o outro sofreram uma queda de 11 e 39 posições, respectivamente.
A Nicarágua, de fato, marcou a maior queda de todas. A RSF alega que "a paródia eleitoral" que em novembro de 2021 levou Daniel Ortega ao poder pelo quarto mandato consecutivo foi acompanhada por uma "perseguição feroz" de vozes críticas ao regime.
"Os últimos bastiões da imprensa independente estão cercados, e a grande maioria dos jornalistas independentes, ameaçados por procedimentos judiciais abusivos, teve que deixar o país", destacou a organização.
A RSF, com sede em Paris, também descreve como "extremamente preocupante" a situação de El Salvador (112), que pelo segundo ano consecutivo sofre uma das quedas mais fortes da região, desta vez de 30 lugares. O presidente salvadorenho Nayib Bukele "faz um jogo perigoso" desde que se tornou presidente em 2019 e "multiplica ataques e ameaças contra jornalistas críticos de seu governo, criando assim a imagem de uma imprensa inimiga da população".
A lista geral é encabeçada pelos países nórdicos, com a Noruega, Dinamarca e Suécia com os melhores resultados, enquanto a Coreia do Norte e a Eritreia voltam a ocupar as últimas posições.
Deutsche Welle