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domingo, maio 29, 2022

Caindo no ridículo




Por Carlos Alberto Sardenberg (foto)

Inflação alta é culpa do governo. Vale aqui e no mundo todo. Mesmo quando preços sobem independentemente da ação (ou inação) do governo, a culpa continua sendo dele. Alguns governantes reclamam. Tentam justificar: a gasolina subiu por causa da Rússia; trigo em alta, também consequência da guerra. A resposta da população ao governante seria mais ou menos assim: E daí? Vire-se.

Nesta semana, foi anunciado um reajuste de 15,5% nos planos de saúde individuais, afetando o orçamento de 8 milhões de pessoas. Na planilha, o reajuste até faz sentido. O valor da mensalidade havia caído mais de 8% em 2021, de modo que, considerando os dois anos, o último reajuste fica em torno de 3%, abaixo da inflação. Além disso, a inflação médica continua acelerada e acima da média dos demais preços. Ok, mas o segurado receberá o boleto com alta de 15,5% em relação ao mês anterior — isso em cima de altas fortes dos combustíveis e dos alimentos, para ficar em itens essenciais. E o governo não vai fazer nada?

Aqui está a segunda questão: as famílias sentem os danos da inflação, mas também percebem o que o governo está ou não fazendo para controlar o problema. Por exemplo: brigar com a Petrobras e trocar seu presidente não adiantou nada para Bolsonaro, como a pesquisa Datafolha mostrou muito claramente. Pôr a culpa nos governadores, pelos impostos elevados, também não funcionou. Se o preço dos combustíveis não caiu, isso revela a incompetência do governo, tal é a percepção da população.

Nem mesmo o Auxílio Brasil turbinado, de R$ 400, melhorou a posição do presidente. Os beneficiários dão essa renda por consumada — e isso desde que Lula lançou o Bolsa Família.

No Congresso, lideranças tentam uma resposta concreta. Conforme Projeto de Lei aprovado na Câmara e agora tramitando no Senado, os governos estaduais teriam de limitar a 17% o ICMS sobre combustíveis e outros itens essenciais, como energia elétrica. Como os estados cobram mais que isso (35% no Rio de Janeiro, na gasolina!), é óbvio que o preço final cairá. Se aplicada já, a regra tiraria 1,5% da inflação deste ano. A previsão do mercado está em torno de 8% para mais.

Seria um dado importante, mas reparem: se o preço da gasolina cair por causa da alíquota de ICMS reduzida, o alívio durará até que a Petrobras anuncie seu próximo aumento. Além disso, a arrecadação dos estados e municípios sofrerá forte baque, com a consequente redução de investimentos e serviços públicos. Em resumo, se trocará um alívio momentâneo por um dano duradouro.

A alta de preços é a parte mais visível da situação econômica. Mas por trás de tudo há uma gestão desastrosa. Nem há respostas imediatas, nem políticas de médio prazo. Para o preço dos combustíveis, uma saída provisória seria subsidiar diretamente, com dinheiro do governo federal, os setores sociais mais prejudicados. Já se falou num fundo de estabilização de preços — também formado com recursos federais —, mas o governo teria de ser minimamente competente para montar esses instrumentos.

Não é o caso.

Para o médio e longo prazo, está na cara que a política correta é preparar a era da energia renovável —como já fazem os países responsáveis. Os carros elétricos de Elon Musk são parte de nova era, goste-se ou não dele. Mas foi saudado por Bolsonaro como o homem que liberará o Twitter para os grupos de direita do mundo todo.

Tudo considerado, a última pesquisa Datafolha retrata bem a situação social, econômica e política. A população está sofrendo com a inflação e o desemprego — e coloca isso na conta do governo Bolsonaro. A preferência manifestada para Lula veio maior do que se esperava, indicando que muitos não lulistas já se encaminham para o ex-presidente. E por quê? Porque o ambiente político brasileiro não gerou alternativa. Como já disse aqui, o país cai no ridículo: votou no Bolsonaro para tirar o Lula, e agora vota no Lula para tirar o Bolsonaro.

O Globo

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