Se os candidatos alterassem radicalmente seus programas, o voto não seria afetado
Por Marcus André Melo (foto)
Muitos esperavam que a disputa eleitoral produzisse um deslocamento centrípeto por parte dos dois principais contendores do pleito. Assim, Lula e Bolsonaro tenderiam à moderação e abandonariam os pontos mais radicais de suas agendas. Isto pode ser observado no passado, mas não no presente. Os candidatos têm falado para seus públicos internos.
A escolha de Alckmin para vice parece exceção; mas na realidade representa um seguro político —um compromisso crível— para cenário de eventual crise institucional, não concessão programática. A aproximação com o centrão é estratégia de sobrevivência política, não abandono de questões controversas da agenda pública.
O modelo analítico que informa a conjetura de convergência é clássico: a preferência do eleitor mediano baterá as demais, em escolhas binárias, o que criaria incentivos centrípetos para as candidaturas.
Há dois problemas com essa visão. O primeiro é que a expectativa pressupõe que a agenda pública seja a clássica , unidimensional, em torno de questões de natureza sócio econômica —política social, desemprego etc— e comportamental. Na realidade, atualmente ela envolve duas dimensões cruciais adicionais: a republicana/corrupção e a liberdades/democracia.
Grande parte do antipetismo tem por base a primeira; a rejeição a Bolsonaro, por sua vez, envolve a segunda. Essas dimensões são em larga medida ortogonais à primeira: a esquerda corrupta ou que apoia regimes autoritários; ou o conservadorismo democrático ou republicano, por exemplo, não cabem na dimensão unidimensional. No contexto multidimensional, portanto a expectativa de convergência falha.
O segundo e mais importante refere-se à natureza afetiva da polarização atual que está ancorada fundamentalmente nestas duas dimensões, e não em aspectos programáticos. Estes ocupam um lugar acessório. Proponho um experimento mental: se Lula ou Bolsonaro mudassem seus programas substancialmente, o voto seria afetado? Isto sugere que o espaço de crescimento para uma terceira candidatura será a rejeição afetiva das duas candidaturas, não seu programa.
A rejeição ao rival não permite gradações, travando o deslocamento ao centro, que não ocorre como esperado. Há incentivos para que os candidatos focalizem o seu núcleo duro de apoiadores, e não convirjam. Esta estratégia é eficiente do ponto de vista eleitoral, porque se alimenta de emoções e oblitera o caminho para outras alternativas.
Mas há limites como fica claro na pesquisa Quaest/Genial que mostrou o impacto negativo da graça concedida ao deputado Daniel Silveira sobre a popularidade presidencial. Muita balbúrdia vira ruído.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Folha de São Paulo