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domingo, maio 29, 2022

Embate federativo - Editorial




No afã de baixar preços, governo e Câmara agravam conflito com estados e cidades

Em ano eleitoral, cresce a pressão política por soluções casuísticas para problemas reais da população. A mais nova investida é a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de um projeto de lei complementar destinado a tributação estadual sobre combustíveis, energia elétrica, gás natural, comunicações e transporte coletivo.

A peça, que vai ao Senado, elenca tais itens como essenciais, o que resultará na redução da alíquota do ICMS, conforme jurisprudência já estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. Em vez da incidência atual, que pode superar 30% do preço em vários estados, a taxa passaria a 17%, reduzindo preços aos consumidores.

Segundo estimativas do Comsefaz, que reúne secretários estaduais da Fazenda, a queda anual de receita ficaria entre R$ 64,2 bilhões e R$ 83,5 bilhões. O impacto no litro da gasolina seria próximo a R$ 0,70 em média, mas dependerá da alíquota atual em cada estado.

Como sempre ocorre, a forte oposição dos governadores ameaça jogar parte da conta para o governo federal, que terá de compensar neste ano as perdas que superarem 5% da arrecadação.

Para ampliar a controvérsia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sinaliza que pode vetar o impacto para a União, por considerar que estaria sobrando dinheiro nos cofres dos demais entes federativos.

É inegável que a tributação sobre bens e serviços em geral é excessiva no país. Os setores ora atingidos são de fácil cobrança e podem representar mais de metade da coleta de impostos dos estados. Não é surpresa, assim, que governadores se ancorem nesses poucos produtos e resistam a qualquer tentativa de corte das alíquotas.

Entretanto o problema não pode ser resolvido com medidas apressadas que exacerbam o já agudo conflito federativo. Como de costume no governo Bolsonaro, e também por causa da liderança afoita que não raro resulta em legislação de má qualidade na Câmara, a opção é pelo improviso.

Um debate abalizado sobre os limites da autonomia tributária estadual, de um lado, e das responsabilidades da União, de outro, é fundamental —e se torna mais urgente no contexto atual, em que deixou de existir disciplina de análise e prudência na ação.

Tamanho embate entre União, estados e municípios, que não aceitarão a redução de sua cota de repasses do ICMS, é desproporcional ao impacto nos preços, que pode ser diluído rapidamente —em especial no caso dos combustíveis, que seguem cotações internacionais.

A aflição da população não pode ser desconsiderada, mas as soluções passam por boa gestão econômica e entendimento político, que não foram vistos no episódio.

Folha de São Paulo

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