Publicado em 30 de maio de 2022 por Tribuna da Internet
Luiz Eduardo Barata.
Apesar de, no início da implantação da energia elétrica no Brasil, termos utilizado fontes térmicas e de a responsabilidade pela prestação dos serviços estar a cargo de empresas estrangeiras, a partir da década de 1950 passamos a explorar intensamente nosso potencial hidrelétrico. Criamos empresas federais responsáveis pela geração bruta e pela transmissão da energia elétrica produzida pelas usinas hidrelétricas para as regiões de consumo.
Esse movimento também teve a participação das grandes concessionárias estaduais de energia elétrica e se intensificou ainda mais com a construção de Itaipu Binacional, inaugurada em meados da década de 1980.
MUDANÇA DA MATRIZ – Até o fim do século passado, nossa matriz elétrica continuou substancialmente hidrelétrica, com pequena participação térmica a carvão e óleo e de biomassa. Após a crise de abastecimento no início deste século, obrigando o país a implantar um regime de racionamento para quatro das cinco regiões — Sudeste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste —, aumentamos a presença das fontes térmicas na matriz elétrica, com uso ainda de combustíveis líquidos e gás natural.
Afortunadamente, mais uma vez a natureza nos socorreu e, com o desenvolvimento e o barateamento das fontes eólicas e solares, podemos contar com a produção de energia limpa e muito mais barata que a gerada por fontes térmicas. Esse é o caminho percorrido pelos países mais avançados.
A matriz brasileira hoje conta com 62% de fontes hidrelétricas, 8,7% de fontes térmicas a gás, 2,5% de óleo combustível, 1,7% de carvão e 8,5% de biomassa, além de 1,1% nuclear e por fim, mas não menos importante, 12,3% de fonte eólica e 2,8% solar e 0,4% de outras fontes. Importante observar que o potencial para o avanço das fontes eólica e solar é imenso, dadas as características do país.
TUDO ERRADO – Entretanto, o que vimos recentemente, para surpresa e tristeza nossa, foi o poder político sucumbir à pressão de lobbies e assumir o papel de planejador do sistema, obrigando a instalação de 8 GW de usinas térmicas a gás natural e determinando que elas fiquem onde não há gás nem consumo de energia elétrica.
É importante destacar que o Brasil tem enorme tradição no planejamento de sistema elétrico, hoje sob responsabilidade da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Para completar a tragédia anunciada, acompanhamos com preocupação os movimentos e os lobbies no Congresso Nacional para a implantação de mais um “jabuti” já chamado de Brasduto — uma rede de gasodutos para levar o gás às regiões onde se pretende instalar térmicas a gás e não há gás. O projeto é estimado em R$ 100 bilhões.
NADA CONTRA – Todos sabemos ser um projeto antigo levar gás para empresas distribuidoras das regiões Norte e Centro-Oeste. Nada contra a expansão do mercado nessas regiões. O que não pode ocorrer em hipótese alguma é o desenvolvimento ser feito à custa dos consumidores de energia elétrica.
É o momento de todas as forças comprometidas com o desenvolvimento do Brasil — preocupadas com o meio ambiente, o crescimento da economia e, sobretudo, com os consumidores brasileiros, que pagam uma das maiores tarifas de energia elétrica do mundo — se unirem dizendo “não” ao projeto de instalação do Brasduto, bem como apoiando o cancelamento da instalação dos 8 GW de térmicas onde não temos gás nem carga para consumir essa geração.
O Brasil é afortunado. Infelizmente, nossas lideranças atuais não estão à altura da grandeza e da fortuna do país.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Luiz Eduardo Barata é consultor do Instituto Clima e Sociedade, foi diretor-geral do Operador Nacional do Sistema e presidente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, Seu artigo nos mostra que, em matéria de geração de energia, o governo simplesmente nada faz ou faz tudo errado. É lamentável. (C.N.)