Volodimir Zelenski assumiu nesta semana seu papel mais improvável até aqui: o de presidente de uma Ucrânia em tempos de guerra.
O ator e comediante de 44 anos que foi eleito líder do país após ficar famoso interpretando justamente um presidente ucraniano em uma série de TV agora virou “o alvo número 1” do russo Vladimir Putin na guerra iniciada na quinta (24), segundo ele próprio disse em pronunciamento. Mesmo assim, ele tem dito que não vai deixar o país.
Embora ainda diga que quer negociar, Putin fala abertamente em derrubar o presidente e nesta sexta pediu que os soldados ucranianos tomem o poder. No mesmo discurso, o russo afirmou que o país é hoje comandado por uma gangue de neonazistas. Essa foi, aliás, uma das justificativas da invasão russa: “desnazificar” o país.
Ainda que haja denúncias de infiltração de grupos neonazistas em partes do Estado ucraniano, como setores das Forças Armadas -o Batalhão de Azov, por exemplo, é acusado de usar símbolos como a suástica e saudações nazistas-, o argumento é especialmente cruel contra Zelenski, já que ele é o primeiro presidente judeu da Ucrânia.
Ao jornal americano New York Times, o presidente ucraniano reagiu e afirmou que três de seus tios-avôs foram mortos no Holocausto. “Como eu poderia ser nazista? Diga isso a meu avô, que passou a guerra inteira na infantaria do xército soviético e morreu como coronel na Ucrânia independente”, disse.
Outro fator que aumenta o nível de complexidade do personagem é que ele tem o russo como língua materna –ele cresceu em Krivi Rih, na região central do país, uma das maiores cidades da Ucrânia e onde o russo é a língua predominante.
E foi em russo que ele discursou na última quarta (23), horas antes do começo dos ataques, em pronunciamento emocionado em que afirmou que a guerra seria “um grande desastre, com alto custo” de dinheiro, reputação, qualidade de vida, liberdade e da vida de entes queridos.
Sem experiência política nenhuma antes de se candidatar, Zelenski tomou emprestadas várias das características da série de comédia que o alçou ao estrelato. Em “Servo do Povo”, ele interpreta um professor de história que viraliza na internet com um vídeo em que desabafa contra a corrupção e acaba eleito presidente do país.
Na vida real, deu o mesmo nome do programa de TV ao seu partido, o Servo do Povo, e tinha na luta contra a corrupção sua principal proposta -ou única, já que um dos motes da campanha, em tom de piada, era que “quem não tem promessas não decepciona”.
Em meio a uma onda antipolítica e com uma campanha quase toda feita pela internet, venceu com 73% dos votos no segundo turno o então presidente Petro Porochenko, que buscava um segundo mandato.
Zelenski herdou uma guerra civil no leste de seu país, uma economia colapsada pela disputa e o conflito pela Crimeia, que havia sido anexada pela Rússia em 2014 como reação à revolta ucraniana que, no mesmo ano, tirou do poder um governo pró-Moscou.
Minutos após assumir o cargo como presidente, dissolveu o Parlamento, expediente previsto para os líderes do país, e convocou eleições legislativas na expectativa de consolidar seu poder -conseguiu, de fato, maioria de assentos na Casa. No comando do país, pôs entre seus conselheiros colegas de sua companhia de comédia Kvartal 95, a mesma que o tornou famoso antes de entrar na política.
Mesmo prometendo negociar com a Rússia para resolver os conflitos no leste, deixou claro que seu governo colocava a Ucrânia mais próxima do Ocidente do que de Moscou.
No famoso telefonema em que o ex-presidente dos EUA Donald Trump o pressiona a investigar as atividades do filho do então pré-candidato Joe Biden no país, Zelenski mostrou-se subserviente e foi criticado dentro e fora da Ucrânia.
Na ligação, ele criticou os principais líderes da União Europeia, Angela Merkel e Emmanuel Macron -que não se davam bem com o americano–, disse que Trump era “um ótimo professor” para a renovação política que tentava fazer na Ucrânia e terminou com elogios gratuitos ao dizer coisas como: “Podemos pegar meu avião e ir para a Ucrânia ou pegar seu avião, que provavelmente é muito melhor que o meu.”
Mas Zelenski não está mais tão feliz com os líderes ocidentais. Na quinta, no primeiro dia de ataques, disse que o país foi abandonado, já que até agora ninguém enviou tropas para ajudar a Ucrânia a combater os russos, que cercam a capital, Kiev. “Nos deixaram sozinhos para defender nosso Estado”, afirmou. “Quem está disposto a lutar conosco? Não vejo ninguém. Quem está disposto a dar à Ucrânia uma garantia de adesão à Otan? Todos estão com medo”, lamentou.
POR THIAGO AMÂNCIO
FolhaPress / Daynews