Publicado em 5 de outubro de 2021 por Tribuna da Internet
Fábio Pupo
Folha
O ministro Paulo Guedes (Economia) defendeu em julho retirar do projeto de lei do Imposto de Renda a regra que tributaria recursos em paraísos fiscais. Para ele, a discussão complicaria o debate sobre o texto, conforme afirmou em evento organizado por CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
“Ah, ‘porque tem que pegar as offshores’ e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra”, disse o ministro em debate realizado em julho.
TUDO EM FAMÍLIA – Guedes, sua esposa e sua filha são acionistas de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal, segundo reportagens publicadas neste domingo (3) por veículos como a revista Piauí e o jornal El País, que participam do projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (o ICIJ). Os documentos fazem parte da Pandora Papers, investigação promovida pelo consórcio.
Em 2015, a offshore de Guedes tinha US$ 9,5 milhões (aproximadamente R$ 51 milhões, em valores atuais), detalham as reportagens.
Em sua resposta às reportagens, o ministro não deixa claro se enviou recursos à offshore após assumir a pasta.
BOA DESCULPA – O ministro deu a declaração sobre retirar a tributação no evento enquanto defendia o projeto que alterava o Imposto de Renda, dizendo que o objetivo era a redução e a simplificação de impostos.
Segundo ele, certas regras apresentadas originalmente haviam deixado “muita gente nervosa”, inclusive o mercado financeiro e investidores de fundos imobiliários —que passariam a pagar imposto sobre rendimentos (hoje, isentos). Por isso, disse, houve alterações.
“Não vamos botar em risco a retomada do crescimento econômico sustentável, que é o que está acontecendo”, afirmou Guedes em seguida, pedindo apoio à aprovação.
É UM DEMOCRATA – No evento, disse ainda Guedes: “Eu sou um democrata, estou tentando ajudar. Não deu, vamos esperar a próxima, fazer outro dia, outra chance, no futuro, talvez, quem sabe”.
O fato concreto é que o artigo 6º do projeto de lei apresentado pela equipe econômica para mudar o Imposto de Renda, enviado à Câmara originalmente em junho, criava uma tributação sobre os lucros de recursos das pessoas físicas residentes no Brasil alocados em empresas estrangeiras (as offshores) que estejam sediadas em paraísos fiscais.
Mas a regra foi retirada após reuniões entre Guedes e o então relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA).
VARIAÇÃO CAMBIAL – A cobrança seria feita mesmo se o dinheiro não fosse trazido ao Brasil e deveria compor a declaração de ajuste anual do Imposto de Renda. Segundo o texto, até mesmo o rendimento resultante de variação cambial deveria ser tributado por ser considerado ganho de capital.
Atualmente, indivíduos brasileiros não estão sujeitos a essas regras —o que amplia as vantagens tributárias de quem pode enviar e manter recursos no exterior, diminui a receita nacional com impostos, agrava as contas públicas e amplia desigualdades.
“Isso abre uma possibilidade de planejamento tributário muito grande e desigual, porque é muito mais favorável [para os mais ricos] do que para o indivíduo que tem capacidade menor de se globalizar”, disse Zayda Manatta, chefe do Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para Fins Fiscais da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), em entrevista à Folha em julho.
REGRA INTERNACIONAL – A OCDE recomenda a aplicação da regra e desde 2015 sugere aos países maior rigor da legislação para taxar o rendimento do acionista (seja pessoa física, seja jurídica) pelos lucros obtidos por entidades em territórios com regime fiscal privilegiado.
Em julho, no mesmo debate com Guedes promovido por CNI e Febraban, o relator defendeu a exclusão da regra.
“Combate à elisão [estratégia contábil para fugir de impostos], ao diferimento e até mesmo à sonegação são importantes mecanismos, mas vamos deixar para discutir em uma matéria [separada] relacionada a esse assunto”, disse o deputado na época, sem estimar quando as regras seriam discutidas.
MUDOU DE IDEIA – Alguns dias depois, o relator Sabino mudou de planos e chegou a dizer que a regra seria reinserida para gerar arrecadação e por um dever “patriótico”, mas depois recuou e apresentou em agosto uma nova proposta sem a previsão.
Nesta segunda-feira (4), o relator do projeto que altera regras do Imposto de Renda, senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que vai analisar uma eventual reinserção das regras eliminadas.
“Eu vou entrar nesse tema”, afirmou o senador à Folha. “Se tributasse, seria mais uma fonte de receita para o país”, disse.
O senador afirmou que é preciso levantar principalmente quanto a medida pode trazer de arrecadação e que vai pedir dados para a Receita Federal.
TEM DE TRIBUTAR – “Se você manda o dinheiro lá para fora, mesmo que legalmente, não custa nada pagar um percentual de imposto. É um assunto para estudo e vou me debruçar sobre ele. É importante saber o impacto, o quanto geraria de tributo para o país”, afirmou.
Ele disse que ainda não havia se voltado ao tema e que, dos grupos ouvidos, ninguém havia levantado a questão.
Para ele, ainda há dúvidas sobre como seria o mecanismo ideal de tributação. Ele defende não taxar recursos que já pagaram impostos no Brasil, especialmente após a aprovação da taxação de dividendos. Por exemplo, lucros que foram obtidos a partir de uma aplicação financeira no Brasil, pagaram impostos e, depois disso, foram enviados ao exterior.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Importante matéria, enviada por Armando Gama. Demonstra que, no governo, Guedes não representa o povo brasileiro, prefere ser representante dos banqueiros. Como diria nosso amigo Carlos Lessa, Guedes é um brasileiro com “b” minúsculo. (C.N.)