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sexta-feira, outubro 29, 2021

Severidade excessiva ou impunidade são características da atual Justiça brasileira

Publicado em 28 de outubro de 2021 por Tribuna da Internet

Charge do gênio Angeli.

Charge do Angeli (Folha)

Deu no Estadão

É frequente e generalizada a crítica à impunidade. Haveria no País uma baixíssima aplicação da lei penal, o que diminuiria – ou mesmo eliminaria – seu efeito dissuasivo. A quase certeza da impunidade seria um dos fatores para os altos índices de criminalidade. Não há dúvida de que, por diversas razões, muitos crimes ficam impunes, o que reduz a finalidade preventiva da lei penal.

No entanto, há também muitos casos de uma aplicação exagerada da lei, em que o braço penal do Estado recai, sem nenhuma proporcionalidade, contra determinados cidadãos – quase sempre, pobres e pretos.

INTERPRETAÇÃO DA LEI – Essa desmedida severidade é resultado de uma específica interpretação da legislação penal e processual penal, que, a rigor, não tem nada de técnica ou mesmo jurídica, pois trata os fatos – e, não raro, a própria lei – com incrível superficialidade.

Recentemente, a prisão de uma mãe de cinco crianças chocou o País. Vivendo em situação de rua em São Paulo há mais de dez anos, a mulher foi presa em flagrante pelo furto de dois pacotes de macarrão instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó – produtos avaliados em R$ 21,69. No momento da prisão, ela disse aos policiais que pegou os alimentos porque estava com fome.

A juíza responsável pelo caso converteu a prisão da mulher em preventiva, para “garantia da ordem pública”. Segundo a magistrada, a conduta expressava “acentuada reprovabilidade, eis que estava a praticar crime patrimonial”.

SEM ENDEREÇO – A possibilidade de prisão domiciliar foi negada. “Não há indicação precisa de endereço residencial fixo que garanta a vinculação ao distrito da culpa, salientando-se que a autuada declarou estar em situação de rua, denotando que a cautela é necessária para a conveniência da instrução criminal e de eventual aplicação da lei penal, nem de atividade laboral remunerada, de modo que as atividades ilícitas porventura sejam fonte ao menos alternativa de renda (modelo de vida), pelo que a recolocação em liberdade neste momento (de maneira precoce) geraria presumível retorno às vias delitivas, meio de sustento”, disse a juíza na decisão.

Submetida ao exame do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a decisão de primeira instância foi mantida. O órgão de controle entendeu que a lei foi corretamente aplicada no caso.

“Embora triste a situação, impossível se negar a periculosidade avaliada em face da real e intensa culpabilidade da agente”, disse o relator, desembargador Farto Salles.

REINCIDÊNCIA – Ao indeferir por unanimidade o habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública, a 6.ª Câmara de Direito Criminal do TJSP entendeu que o princípio da insignificância não poderia ser aplicado ao furto de R$ 21,69, em razão da reincidência. Em outro processo, a mulher tinha sido condenada pelo furto de desodorantes.

Duas semanas depois da prisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o trancamento do inquérito policial e revogou a medida restritiva de liberdade. Segundo o ministro Joel Ilan Paciornik, a “lesão ínfima ao bem jurídico e o estado de necessidade da mulher não justificam o prosseguimento do inquérito policial”. Além disso, um furto de alimentos, naquele valor, não preenchia os requisitos mínimos para ser enquadrado como crime.

APRECIAÇÃO “PECULIAR” – Oxalá essa história absurda – duas instâncias da Justiça consideram que o furto de alimentos no valor de R$ 21,69 é motivo suficiente para levar uma mãe à prisão – fosse exceção. Infelizmente não o é, especialmente no Estado de São Paulo. Com contumaz reincidência, o TJSP aplica a lei penal e processual penal à revelia da jurisprudência das Cortes Superiores, com um entendimento desarticulado do Direito e uma apreciação muito peculiar dos fatos.

O mesmo tribunal que manteve a prisão da mãe que furtou comida foi o que extinguiu a condenação pelo júri popular dos 74 policiais envolvidos no massacre do Carandiru. Depois, o STJ restaurou a condenação. Pode parecer paradoxal, mas severidade desmedida e impunidade são expressões de um mesmo fenômeno: o da lei que se curva à vontade, em vez de a vontade se submeter à lei.


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