Por Vera Magalhães (foto)
A oposição parece ter acordado para o fato de que estava ajudando a pavimentar uma estrada até então esburacada para a reeleição de Jair Bolsonaro, com a trégua em várias frentes concedida ao presidente justamente no pior momento de seu governo.
Primeiro, foi a carta redigida por Michel Temer quando Bolsonaro ensaiou uma ruptura institucional.
Em seguida, a oposição, PT à frente, rumava decidida para chancelar o Auxílio Brasil de R$ 400, incluído numa grande pedalada que também contempla calote nos precatórios e que pode ser uma catapulta a tirar Bolsonaro do fundo do poço da viabilidade eleitoral.
Some-se a isso a grande probabilidade de que o aliado Augusto Aras sente em cima de boa parte do relatório final da CPI da Covid, e tem-se um presidente, o pior da História democrática brasileira, de novo com viabilidade eleitoral.
Para não repetir o erro de cálculo da oposição a Lula em 2006, que decidiu não levar adiante o impeachment no auge do mensalão, achando que o petista seria cachorro morto nas urnas, a esquerda parece começar a acordar.
O difícil será calibrar o discurso para justificar como votar contra a PEC dos Precatórios, em que foram embutidos todos os jabutis eleitorais de Bolsonaro — devidamente referendados por Paulo Guedes, sempre bom lembrar.
Para os partidos de esquerda, defender o teto de gastos e a austeridade fiscal em detrimento de aumento do aporte a recursos sociais não é uma opção. Por isso a decisão será justificada pelo estelionato travestido de benesse social.
“Se fosse só dinheiro para o social, votaríamos a favor. Mas não podemos ser a favor de calote em precatórios, de aumentar orçamento secreto e fundão eleitoral, que é o que está na mesa”, me explicou o líder da minoria na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Na outra ala da oposição, estão os partidos de centro e centro-direita que fazem o discurso da terceira via, mas abrigam em seu seio parlamentares quinta-coluna que vira e mexe votam com o governo.
Como se portarão PSDB, PSD, União Brasil, MDB e outros diante da ideia de rasgar o tão defendido teto de gastos? Nesse caso, a justificativa é diferente de PT e demais siglas de esquerda, mas também não podem ser favoráveis à PEC dos Precatórios, a maior pedalada fiscal já tentada.
Caso todos esses partidos, ainda que por caminhos opostos e razões diversas, percebam a urgência de frear a bicicleta eleitoreira de Bolsonaro, só o Centrão de Arthur Lira terá dificuldade de aprovar uma emenda à Constituição. E a manobra pode fracassar já na Câmara, antes mesmo de o Senado — comandado pelo agora presidenciável assumido Rodrigo Pacheco — ser o anteparo.
Todo mundo com sensibilidade social sabe da necessidade de garantir transferência de renda a quem mais precisa, ainda mais depois de uma condução desastrosa da pandemia pelo governo Bolsonaro, que retardou as vacinas e agravou as consequências sanitárias e econômicas da crise.
Usar isso como subterfúgio para resgatar do merecido limbo justamente o perpetrador dessa tragédia, que ainda hoje, com 605 mil mortos nas costas, segue proferindo declarações criminosas e mentirosas sobre vacinas e colocando em risco a vida das pessoas que deveria governar, é um daqueles planos diabólicos de cinismo político que de tempos em tempos mesmo as instituições e a oposição deixam ser levados adiante.
A CPI da Covid pode não resultar, de pronto, na justa e merecida condenação criminal de Bolsonaro e de seus asseclas pelos inúmeros e comprovados crimes cometidos em um ano e sete meses de horror. Mas foi fundamental para desnudar esses crimes perante o país.
Que se aproveite um momento de cochilo geral para dar justamente a esse presidente uma segunda chance é um daqueles vacilos que podem custar caro demais ao Brasil.
O Globo