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segunda-feira, outubro 04, 2021

A punição depois da CPI da Covid - Editorial




Não é trivial a coleção de fatos apurados pela CPI da Covid. Não se trata, como no passado, apenas de investigar corrupção, enfraquecer adversários e aproveitar os holofotes — embora tais ingredientes também estejam presentes. Desta vez, o inquérito dos senadores se debruçou sobre um evento singular: o morticínio de 600 mil brasileiros na pandemia. Nunca houve CPI como esta. À medida que os trabalhos se aproximam do desfecho, o desafio do relatório final é atribuir as responsabilidades e configurar os crimes diante de fatos chocantes e revoltantes por si sós. Eis os principais:

1) O presidente Jair Bolsonaro desprezou as normas sanitárias e pôs em risco a saúde da população, ao promover e participar de dezenas de aglomerações, desdenhar o uso de máscaras e o distanciamento social, recomendados pelo consenso científico;

2) O governo federal sabotou medidas de prevenção e defendeu a ampliação do contágio — portanto, das mortes — como forma de atingir mais rápido a “imunidade de rebanho”;

3) Desde o início da pandemia, Bolsonaro criou um gabinete paralelo de aconselhamento, à revelia dos organismos oficiais, formado por pseudocientistas, empresários e políticos alinhados ideologicamente;

4) O governo federal tentou manipular o número de mortes para reduzir o impacto público da pandemia;

5) Bolsonaro e o governo incentivaram a produção e distribuição de milhões de comprimidos de cloroquina e do “kit Covid” para o “tratamento precoce” com drogas ineficazes, temas de propaganda oficial;

6) Empresários próximos ao governo financiaram uma campanha de desinformação que pôs em risco a saúde pública, com foco em teses descabidas como “imunidade de rebanho”, “tratamento precoce”, “isolamento vertical” e mentiras contra as vacinas;

7) O governo desdenhou ofertas de vacinas que poderiam ter evitado centenas de milhares de mortes;

8) Representantes do governo participaram de esquemas para importar vacinas de intermediários suspeitos em troca de propina. Informado sobre um dos esquemas, Bolsonaro nada fez;

9) No auge da tragédia no Amazonas, o Ministério da Saúde ignorou os hospitais em colapso sem oxigênio, enquanto enviava cloroquina ao estado;

10) O governo foi omisso diante da população indígena. O resultado foi mais contágio e mais mortes;

11) Pacientes do Amazonas e do Rio Grande do Sul foram usados sem consentimento como cobaias em testes pseudocientíficos sem aval dos organismos éticos competentes;

12) Acusações de uso de cobaias humanas sem consentimento e fraudes se estendem à operadora de saúde Prevent Senior, cujo corpo técnico foi vinculado ao gabinete paralelo de aconselhamento a Bolsonaro.

Esses são os fatos. É deles que derivarão as consequências jurídicas. Apontar o que configura crime, quem são os acusados, processá-los e puni-los será outro desafio nada trivial. No parecer técnico encaminhado ao Senado, a comissão de juristas liderada pelo advogado Miguel Reale Júnior dividiu os tipos penais em cinco grupos, que poderiam ser reunidos em três, de acordo com o caminho dos processos.

Primeiro, os crimes de responsabilidade, cujo julgamento cabe ao Congresso. O parecer atribui a Bolsonaro o “desrespeito aos direitos à vida e à saúde” garantidos na Constituição. Seria motivo para mais um pedido de impeachment, além dos 131 a aguardar decisão do presidente da Câmara. Devido à natureza intrinsecamente política do impeachment, que exige dois terços na Câmara e no Senado, é improvável essas acusações prosperarem.

Segundo, os crimes contra a saúde, a paz e a administração públicas, cujo julgamento cabe à Justiça comum. Nesse capítulo, o parecer inclui, contra Bolsonaro ou integrantes do governo, acusações de infração de medida sanitária, epidemia, charlatanismo, incitação ao crime, corrupção passiva, estelionato, advocacia administrativa e prevaricação. No caso específico do presidente, enquanto ele estiver no poder, a abertura de processo dependeria da Procuradoria-Geral da República (PGR) — cujo titular, Augusto Aras, é conhecido pela leniência — e da autorização de dois terços da Câmara. O contexto político torna novamente improvável um processo no curto prazo.

Há, por fim, os crimes contra a humanidade, cujo julgamento caberia ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. Estão incluídos aí os fatos relativos aos povos indígenas e à crise no Amazonas. O relatório final da CPI deveria seguir a recomendação dos juristas e evitar acusar Bolsonaro pelo crime que está na boca de todos os adversários políticos: o genocídio.

Tal acusação não se sustenta. Na definição jurídica, o genocídio envolve a intenção de destruir um grupo étnico, religioso, nacional, racial, cultural, de gênero etc. Por mais revoltantes que sejam os fatos apurados, nenhum corresponde a isso. “Com respeito ao genocídio, a evidência que vi não sustenta as exigências estabelecidas no artigo 6º do Estatuto de Roma”, afirma o franco-britânico Philippe Sands, jurista que defendeu várias causas no TPI.

Não significa que as barbaridades de Bolsonaro e dos demais envolvidos devam ser minimizadas. “Não vi as provas em detalhes, mas, pelo disponível publicamente, parece defensável a acusação de crimes contra a humanidade, embora difícil de estabelecer”, diz Sands. Trata-se de um tipo penal mais amplo, que inclui atos desumanos como tortura, escravidão, apartheid, violência sexual ou deportação forçada. A principal dificuldade (imposta pelo artigo 7º) seria mostrar que se tratou de “ataque generalizado ou sistemático contra a população civil”. O parecer dos juristas aponta nos fatos o contexto exigido para isso, mas o êxito em Haia, mesmo desimpedido pelas circunstâncias políticas locais, não seria fácil. O tribunal nunca julgou uma causa do tipo, e o procurador teria de correr um risco imponderável.

Os caminhos oferecidos pela Justiça para punir os responsáveis pela tragédia são íngremes. Não se deve, por isso, descartar a chance de mais esta CPI ter pouca consequência prática. Mas eles não devem ser abandonados. A memória dos mortos exige reparação.

O Globo

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