Publicado em 25 de agosto de 2021 por Tribuna da Internet
Eurípedes Alcântara
O Globo
Uma pesquisa Datafolha mostra que 94% dos brasileiros são favoráveis à vacina contra a Covid-19. Isso nos coloca em posição privilegiada no mundo. Nos Estados Unidos e em países da Europa existem vacinas de sobra à procura de braços. Por questões culturais e polarização partidária, no entanto, o número de pessoas que se recusam a ser vacinadas naqueles países é altíssimo.
Nos Estados Unidos, depois de um começo de campanha avassalador, a proporção de imunizados estancou em pouco mais de 50% da população, levando as autoridades a quebrar a cabeça em busca de maneiras de convencer os recalcitrantes a aceitar a vacina.
ESTRANHO FENÔMENO – Por que razão os brasileiros, divididos em política tanto quanto os norte-americanos, jogam quase todos no mesmo time quando se trata de tomar vacina contra a Covid-19? As causas desse fenômeno devem ser buscadas em nossa história.
Embora a primeira relação do país com a imunização contra a varíola tenha resultado na revolta popular de 1904, com as pessoas se recusando a ser injetadas com um líquido produzido com pústulas de vacas doentes, temos experiências positivas com as vacinas.
Vacinas erradicaram a varíola, o sarampo e a poliomielite no Brasil. Isso deixou a convicção cultural profunda de que elas funcionam. Já foram aplicados quase 160 milhões de doses no Brasil, resultando em 55% de inoculados com apenas uma dose e 23% completamente imunizados contra a Covid-19.
VARIANTE DELTA – Só não avançamos mais rapidamente ainda pelo indesculpável vacilo inicial do governo federal e pelos gargalos burocráticos e logísticos descritos todos os dias pela imprensa. Mas o que fizemos como país até agora foi formidável e, a continuar nesse ritmo, as consequências serão positivas à luz dos mais recentes desenvolvimentos da pandemia — especialmente em relação ao surgimento de uma forma mais contagiosa do vírus causador da Covid-19, a variante Delta.
Países com baixas taxas de vacinação tendem a cair na armadilha proposta pela variante Delta. Isso se deve a um fato comum a todas as vacinas contra a Covid-19. Elas protegem bastante bem os vacinados de ser infectados e, mesmo quando não protegem totalmente contra a infecção, impedem a manifestação de sintomas graves que exigem internação e cuidados intensivos, com a necessidade de intubação.
Esses imunizantes, porém, não são tão eficientes em evitar que os vacinados assintomáticos ou com sintomas leves da variante Delta passem o vírus adiante. Pessoas vacinadas, mas infectadas, passam a atuar como hospedeiros ativos.
MUTAÇÕES MORTAIS – Um artigo da revista científica Nature sobre o que os cientistas aprenderam depois de seis meses de vacinação intensiva com a aplicação de 1,7 bilhão de doses em todo o mundo alerta sobre o risco do cenário em que muitos vacinados se infectam, não caem de cama e continuam a espalhar o vírus sem saber. Isso tende a produzir mutações mais contagiosas e, potencialmente, letais para os não vacinados.
O vírus individualmente é movido pela obsessão elementar de infectar uma célula, tomar o controle de sua máquina genética e colocá-la para trabalhar na produção de novos vírus. A biologia evolutiva mostra que as populações virais obedecem a estratégias coletivas mais complexas. Elas competem entre si pelos hospedeiros.
Aquelas que matam rapidamente os infectados são menos capazes de sobreviver, pois não dão tempo a seus hospedeiros de ir para o metrô espalhar vírus. Tendem a ser substituídas por cepas mais mansas.
COMPLICANDO A COISA – O aumento no número de vacinados capazes de hospedar vírus, de outra forma, letais sem adoecer o suficiente para ser hospitalizados e tirados de circulação está confundindo a lei natural.
Esse é o grande enigma da variante Delta e de outras que surgirão para os países com proporções semelhantes de vacinados e não vacinados. Que os 94% de brasileiros a favor da vacina sejam logo, todos eles, imunizados.