Ary Filgueira e Geovanna Bispo
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A 34km de distância do Palácio do Planalto, fica Sobradinho. A cidade tem uma população de 170 mil habitantes – somando o Sobradinho I e II. Apesar da proximidade com a Esplanada dos Ministérios, onde o produto interno bruto é maior do que em muitos estados brasileiros, a cidade serrana brasiliense concentra uma das menores rendas per captas do Distrito Federal. A maioria da população ganha até dois salários mínimos.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) até que não vai vai mal. A maioria das ruas têm redes de captação de águas pluviais, pavimentação e saneamento básico. Mas uma invasão que acabou se tornando expansão da cidade puxa esses indicadores para baixo. O Conjunto 11-A da Avenida Central de Sobradinho II surgiu da noite para o dia, como ocorre com todas as invasões do Distrito Federal. Isso fica claro ao perceber a disposição das casas: enfileiradas de qualquer jeito. Outro indicativo é a falta de padrão para metragem e modelo dos lotes. Uns são maiores que os outros.
Mas é nesse cenário de distorções sociais que reside um homem cujo depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid do Senado pode causar uma verdadeira hecatombe. Apesar de ser apenas um motoboy, Ivanildo Gonçalves da Silva é responsável por nada menos do que 5% de toda movimentação atípica feita pela VTClog, empresa que se tornou alvo de uma das principais linhas de investigação dos senadores que apuram irregularidades nos recursos públicos destinados na pandemia.
O Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aponta que a VTClog movimentou de forma suspeita R$ 117 milhões nos últimos dois anos. O nome de Ivanildo Gonçalves é citado várias vezes no documento. Ele chegou a sacar em diversos momentos o montante de R$ 4.743.693. A maioria foi saques em espécie e na boca do caixa.
Apesar de pilotar sua moto em alta velocidade, mais veloz foi o Coaf, que detectou a movimentação atípica e encaminhou o relatório para a CPI da Covid. No item “e” da análise, sob a rubrica “ocorrência”, o documento revela: “Realização de operações em que não seja possível identificar o destinatário final”.
A reportagem do Jornal de Brasília conseguiu localizar Ivanildo. O motoboy admitiu ter realizado os saques. Segundo ele, parte do dinheiro foi depositada por ele mesmo na conta de pessoas que afirma não conhecer. Ele só não soube explicar por que transportava tanto dinheiro em vez de usar a tecnologia bancária daquela época, como transferência eletrônica disponível (TED).
Chama a atenção a confiança que os donos da VTClog depositaram em Ivanildo. Com vencimentos que não ultrapassam um teto de R$ 2 mil mensais, Ivanildo chegou a carregar em sua moto R$ 430 mil no dia 24 de dezembro de 2018, ironicamente, a poucas horas da noite de Natal daquele ano.
Segundo ele, a dinheirama seria usada para pagar fornecedores, prestadores de serviço e toda sorte de credores. Ao ser perguntado se tinha medo, ele responde com a rapidez com que costuma fazer sua correria: “É arriscado, mas na época eu nem pensava nisso”.
A confiança dos patrões não é um privilégio exclusivo de Ivanildo. Zenaide de Sa Reis, que também mora numa região modesta de Brasília, o Riacho Fundo, chegou a fazer o mesmo tipo de operação, ou seja, saques em espécie no valor total de R$ 4.328.740.
Dona da empresa ZSR Apoio Administrativo, situada na QS 12, Conjunto A, Casa 16 do Riacho Fundo I, ela, no entanto, demonstra ter mais credibilidade com os clientes, uma vez que em 13 de março chegou a sacar meio milhão de reais em cash. Nossa reportagem esteve na empresa dela, mas a mulher que estava dentro não quis falar com a imprensa. No imenso, lote há apenas uma casa de fundo.
É por essas operações financeiras que Ivanildo e Zenaide acabaram parando no relatório do Coaf. Lá, estão descritos como “sacadores” de dinheiro da companhia. Todas as movimentações apontadas no RIF de ambos, porém, ocorreram com a transmissão de dinheiro em espécie.
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