Edmar Araujo
Estadão
O Tribunal de Contas da União publicou o Balanço da Fiscalização do Auxílio Emergencial com objetivo de prestar contas à sociedade brasileira sobre a execução dos pagamentos realizados a trabalhadores sem renda formal, principal exigência entre as políticas do governo. É preciso reconhecer o mérito do Governo Federal em tentar alcançar o máximo de famílias que foram impactadas pelas restrições impostas pelo novo coronavírus.
Aliás, o documento da Corte de Contas deixa claro que o benefício foi tempestivo e conseguiu chegar a estes trabalhadores sem renda formal. Por outro lado, os índices de pagamentos indevidos assustam. O Brasil pagou R$ 54 bilhões a pessoas que não cumpriam os requisitos.
E QUEM SÃO ELAS? – Bem, são 7,3 milhões são pessoas fora dos requisitos legais e outras 6,4 milhões de mães solteiras a mais no programa, que ganharam indevidamente uma cota excedente do benefício. Me saltou aos olhos a expressão “mães solteiras” constante no relatório, pois eu não sabia que a palavra “mãe” pudesse ser usada para referir-se ao estado civil de mulheres. Não existe mãe solteira ou mãe casada. Só existe mãe.
Voltando ao relatório, a soma desses dois cenários mostra o resultado da tragédia que é a identificação civil e social no Brasil. Os valores desperdiçados poderiam ter pagado R$ 300 para 60 milhões de pessoas por três meses.
E o perfil de quem recebeu indevidamente o auxílio emergencial é assombroso: cerca de 700 mil servidores civis e militares; mais de 600 mil pessoas com vínculo formal de emprego; mais de 60 mil falecidos; mais de 40 mil brasileiros morando no exterior; mais de 40 mil detentos; e mais de 200 mil pessoas com renda acima do limite
SINISTRAS CONCLUSÕES – Diante desses números, algumas conclusões são imperiosas. A primeira é de que o Governo não sabe quem são os seus nacionais. Além disso, não tem controle sobre o perfil social dos trabalhadores formais e informais e não investiu em mecanismos de confirmação de identidades;
O prejuízo poderia ter sido evitado se houvesse políticas públicas de identificação civil e social sérias, considerando inclusive o recenseamento da população. Todavia, o que temos visto é o total descaso com o tema da autenticação segura em meios eletrônicos exatamente quando dados pessoais estão vazados na rede.
O pior é que, na última quinta-feira, 25 de fevereiro, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 317/21 e garantiu, num diploma legal, que a fraude em operações críticas e muito caras a todos nós fosse ainda mais facilitada.
TUDO ERRADO – Os relatores na Câmara e no Senado, deputado Felipe Rigoni (PSB/ES) e Rodrigo Cunha (PSDB/AL), levaram em consideração parecer da Secretaria de Governo Digital para produzir e não modificar o parecer, respectivamente.
Eu senti falta de manifestações do Instituto Nacional de Identificação da Polícia Federal e do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia federal vinculada à Casa Civil da Presidência da República e maior autoridade nacional sobre identificação e assinatura digital do Brasil.
Por que essas instituições não foram chamadas a tecer considerações técnicas ao que foi proposto e aprovado?
AMBAS REPROVARIAM – Eu suponho saber as razões: ambas reprovariam o uso de assinaturas eletrônicas avançadas para as aplicações que a lei flexibilizou. Melhor não provocar quem não concorda conosco, não é? Some a isso o discurso falacioso de que a população não tem que ser onerada para ter uma ID Digital confiável.
Noutras palavras, o Brasil não tem recursos para dar a cada cidadão sua identidade eletrônica, mas tem dinheiro de sobra para pagar benefícios de forma irregular.
Os valores jogados no lixo pela insensibilidade de quem não sabe nada sobre autenticação e identificação digital seriam suficientes para que todos os brasileiros recebessem gratuitamente um certificado digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), única tecnologia capaz de garantir a identidade em meios digitais e de produzir assinaturas eletrônicas com o mesmo valor probante daquelas assinaturas reconhecidas e autenticadas em cartório.
VETAR A MONSTRUOSIDADE – Resta pedir ao presidente Bolsonaro que vete na íntegra o artigo 7º do PL 317/21, preservando assim a segurança da digitalização de documentos, publicações legais de sociedades anônimas, prontuário eletrônico do paciente, notificação eletrônica de multa de trânsito, registro de atos processuais e demonstrativos contábeis da Administração Pública e Registros Públicos.
Se sancionado, esses R$ 54 bi serão um nada em comparação com a hecatombe que há de vir. Veta, presidente!
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Esse sensacional artigo do especialista Edmar Araujo, presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil, mostra como o governo e o Congresso são despreparados. Realmente, é desanimador. (C.N.)