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terça-feira, março 30, 2021

Como é possível o PIB avançar 3% com os salários congelados e o poder aquisitivo em queda?

Publicado em 30 de março de 2021 por Tribuna da Internet

Charge do Jorge Braga (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

No editorial de ontem, segunda-feira, o Estado de São Paulo focalizou as afirmações do ministro Paulo Guedes e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fazendo uma previsão no crescimento do Produto Interno Bruto, este ano, da ordem de 3,4%.

Seriam 3,4% sobre R$ 6,6 trilhões. Aliás, faço uma observação, como dizia o avô do atual presidente do Bacen, Roberto Campos, quando se tratava de escrever sobre percentagem obrigatoriamente deveria dizer-se sobre qual número absoluto ela incidia. Esse aspecto fundamental vem faltando ao nosso jornalismo de hoje.

OUTRA QUESTÃO – Por exemplo, fala-se no orçamento para 2021. Mas esquecem que este orçamento deve ser um pouco maior do que R$ 3,6 trilhões. Isso porque o orçamento de 2020 foi de R$ 3,6 trilhões e a inflação de 4,3% para corrigi-lo, de acordo com a lei em vigor. Mas essa é outra questão.

O fato essencial é que francamente não acredito na previsão de Paulo Guedes e de Roberto Campos Neto pois se o desemprego não cedeu, se os salários estão congelados, exceto dos militares, e se o consumo vem registrando queda em todos os setores, como é possível o PIB avançar?

Aí está uma pergunta interessante para o ministro da Economia e também para o presidente do Banco Central. É verdade que eles condicionam tal sonho à contenção da pandemia Covid-19. Mas esquecem, na previsão que fazem, que para a pandemia ser contida é indispensável que combatida seja em primeiro lugar a contaminação diária de pessoas em todo o país, na escala de 79 mil em média. Há dias inclusive que ultrapassa esse trágico limite.  

MENSAGEM DE HAMILTON – Na corrida da Fórmula-1 de domingo, o piloto Lewis Hamilton vestiu uma camisa, terminada a prova, com uma frase em inglês: “as ações falam mais do que as palavras”. É exatamente isso que está faltando ao governo Bolsonaro, especialmente na área da Saúde, que deveria ser responsável por enfrentar com vigor o desafio de impedir a morte de seres humanos.  

O ministro Marcelo Queiroga, a meu ver, ajusta-se bem na frase de Hamilton: fala pouco, visita a USP, estudantes cobram o combate ao coronavírus e ele se reúne com médicos, colegas seus, e pede apenas o apoio. Claro que todos concordam com o apoio. Neste ponto é que entra Hamilton. Apoiaram com palavras, mas as ações do ministro não estão assumindo uma característica concreta. O tempo vai passando, e faltam as ações enquanto sobram as palavras.

SEM RUMO – O governo Bolsonaro está de fato absolutamente desorientado.  Vejam por exemplo o caso do ex-ministro Ernesto Araújo. Conseguiu mobilizar o país inteiro contra a sua total e desastrosa administração. Nunca na história da República, e lá se vão mais de 130 anos, houve um chanceler tão ridículo, tão absurdo, tão fracassado e tão prejudicial ao Brasil na imagem internacional do que ele, Ernesto Araújo.

Inclusive, há cerca de 45 ou 50 dias, o vice-presidente Hamilton Mourão, falando a jornalistas quando chegava ao Palácio do Planalto, afirmou com todas as letras que Ernesto Araújo deveria ser demitido.

A reação se limitou a um círculo da intimidade do presidente da República. Porém, o panorama anunciava a tempestade e o desastre. A tempestade chegou acompanhada pela demissão. Na minha opinião, o governo que balançava começou a desmoronar.  

UMA HISTÓRIA DA IMPRENSA – Excelente o livro sobre Samuel Wainer, de Karla Monteiro, que se encontra nas livrarias. Focaliza não só a figura do repórter que anunciou o retorno de Vargas nas eleições de 1950 e previu a sua vitória por larga margem.

Apoiado por Vargas, com financiamento do Banco do Brasil, Samuel Wainer criou a Última Hora. Travou a partir do início de 1952 um combate terrível com a Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda. Os grandes jornais da época não apoiavam Getúlio Vargas e, conforme o estilo de triste memória do passado, assumiam ostensivamente posições políticas não levando a sério, como é hoje, a realidade e o desencadeamento dos fatos. As coisas mudaram, se modernizaram, era extremamente negativo negar os fatos ou então brigar com eles.

ENTREVISTAS FALSAS – Lacerda inventou na luta contra Vargas uma série de entrevistas falsas, como o livro de Karla Monteiro assinala, reproduzindo as investidas  A pressão internacional era forte. O consumo brasileiro de petróleo estava em torno de 300 mil barris/ dia. Porém a produção nacional estava contida na escala baixa de 5 mil barris.

A diferença estava na importação. As grandes empresas petrolíferas internacionais, é claro, não tinham interesse no crescimento da Petrobras. E a campanha contra a Petrobras foi intensa. Mas JK de 1956, quando assumiu, a janeiro de 1961, quando passou o governo a Jânio Quadros, elevara a produção para 100 mil barris diários.  

Sem dúvida, tal resultado contrariou os exportadores de petróleo. Mas os interesses não eram apenas esses. Os automóveis eram importados, grande parte da produção de aço também, a energia elétrica estava nas mãos da Light e da Chesf. Carlos Lacerda, contra posse de JK e contra o seu governo, falava diariamente à noite pela Rádio Globo. Falou até 1959. Por uma coincidência, nesse ano, JK assinou o decreto possibilitando a criação da TV Globo.  O livro de Karla Monteiro é simplesmente sensacional. Uma viagem pela história moderna do Brasil. Em outra oportunidade voltarei ao assunto.

DEMISSÃO DE AZEVEDO – Na tarde de ontem, segunda-feira, a GloboNews anunciou que o presidente Jair Bolsonaro pediu a renúncia do general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa.

Trata-se, a meu ver, de sintoma gravíssimo do que pode acontecer no universo político do país. O que teria motivado a iniciativa do presidente da República  que o levou a um gesto de risco, demitindo um general que estava (ou está) à frente de um posto ao qual o Exército, a Marinha e a Aeronáutica estão vinculados e subordinados.  Há algo muito tenso no cenário político. Como será recebido o ato de Bolsonaro, sobretudo pelo Exército ?
 
ENIGMA – O comandante do Exército, Edson Leal Pujol, cujo posicionamento reflete uma posição democrática, transforma-se numa peça chave do enigma. Na atmosfera de Brasília reapresenta-se uma dimensão que aconteceu nos episódios Jânio Quadros, João Goulart e no ato em que o presidente Ernesto Geisel demitiu o general Sílvio Frota do ministério.
 
Sílvio Frota pressionava para uma solução que não era o projeto de Geisel. O irmão de Ernesto Geisel, Orlando Geisel, era o ministro do Exército. O presidente da República consolidou João Figueiredo para sucedê-lo no Palácio do Planalto.

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