Deu em O Globo
Em um dos dias mais tensos da História recente dos Estados Unidos, apoiadores de Donald Trump invadiram o Congresso, onde era realizada a sessão para contar os votos do Colégio Eleitoral e certificar a vitória de Joe Biden na eleição presidencial de novembro, a última etapa formal do processo eleitoral antes da posse do democrata, em 20 de janeiro.
Antes das primeiras bombas de gás serem detonadas dentro e fora do prédio, Trump, que se recusa a reconhecer sua derrota e fracassou em todas as tentivas jurídicas de contestar o resultado, havia sido alvo de declarações duras de duas das principais lideranças republicanas, que o apoiaram ao longo do mandato.
SEM APOIO – A começar pelo vice-presidente, Mike Pence, que preside o Congresso e tem um papel cerimonial no processo de confirmação. Trump queria que ele rejeitasse os resultados do Colégio Eleitoral e o declarasse reeleito. Mas, antes da sessão, Pence foi categórico ao negar a possibilidade.
“Os fundadores de nosso país eram profundamente céticos quanto a concentrações de poder e criaram uma república baseada na separação de poderes (…). Atribuir ao vice-presidente autoridade unilateral para decidir as disputas presidenciais seria totalmente contrário a esse projeto”, afirmou o vice-presidente, em carta.
QUESTIONAMENTO – Minutos após o começo da sessão — que, em vez de um ritual meramente protocolar, como habitual, rumava para se tornar uma maratona de muitas horas — republicanos apresentaram o primeiro questionamento ao resultado, relativo ao Arizona.
Os senadores Ted Cruz, do Texas, e Paul Gosar, do Arizona, se opuseram à confirmação dos eleitores do estado deste último, o que aconteceu logo no começo da sessão — o Arizona é o segundo estado da lista, depois do Alabama.
Quando há um questionamento, a certificação é interrompida por duas horas, e os congressistas debatem caso a caso, votando ao final. Durante o debate, Mitch McConnell, líder da maioria no Senado, fez um discurso veemente a favor da oficialização da vitória de Biden, dizendo que, se os republicanos a rejeitarem, irão causar danos irreversiveis à democracia americana.
RISCO À DEMOCRACIA — “Este será o voto mais importante que já dei” — disse McConnell. “Não podemos simplesmente nos declarar um conselho eleitoral nacional anabolizado. Os eleitores, os tribunais e os estados todos se manifestaram. Todos se manifestaram. Se rejeitarmos isso, prejudicaremos nossa república para sempre”.
Além do Arizona, há no mínimo mais duas contestações previstas, e avalia-se que possam chegar a seis. A senadora Kelly Loeffler, da Geórgia, pretende questionar o resultado de seu estado; e o senador Josh Hawley, do Missouri, planejou se opor à lista da Pensilvânia, de acordo com pessoas familiarizadas com seus planos.
Todos os questionamentos são considerados fadados ao fracasso, em meio à oposição dos dois partidos.
INVASÃO DO PARLAMENTO – Do lado de fora do prédio, milhares de manifestantes pró-Trump repetiam o discurso do presidente, e tentavam pressionar os congressistas para que adotassem uma saída favorável ao republicano. Desde o começo do dia o clima era tenso, e no meio da tarde um grupo invadiu o prédio do Congresso. A sessão foi suspensa, e o vice-presidente Mike Pence levado para um local seguro.
— Isso foi o que vocês conseguiram caras! — disse o senador Mitt Romney ao deixar o plenário, aparentemente se dirigindo aos colegas que apoiaram a tentativa de Trump de derrubar os resultados do Colégio Eleitoral, segundo o New York Times.
Alguns dos manifestantes que invadiram o prédio estavam armados, e chegaram a entrar nos plenários da Câmara e do Senado. Partes do prédio foram depredadas, e a polícia chegou a apontar armas para alguns dos invasores.
VANDALISMO – Parlamentares, funcionários do Congresso e jornalistas, foram levados para locais mais seguros. Do lado de foral, partes do palco que será usado na posse de Biden, no dia 20 de janeiro, foram danificadas. Uma mulher que estava com os manifestantes foi baleada perto de uma porta que estava bloqueada na entrada do plenário da Câmara. Ela foi levada ao hospital e não há informações sobre seu estado de saúde. Há relatos de outras pessoas feridas.
Entre os invasores, muitos trajavam uniformes militares, cartazes da campanha do presidente à reeleição e fantasias. Bandeiras dos Confederados, associadas a grupos segregacionistas, também estavam nas mãos das dezenas de pessoas que entraram no prédio sem muita resistência policial.
Diante da situação, a prefeitura de Washington decretou um toque de recolher em toda a capital americana, válido entre as 18h (20h de Brasília) até as 6 da manhã de quinta-feira (8 da manhã pelo horário de Brasília). Apenas pessoas designadas pela prefeitura, incluindo jornalistas credenciados e trabalhadores de serviços essenciais poderão circular nesses horários.
GUARDA NACIONAL – A secretária de Imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany, afirmou que, a pedido de Donald Trump, a Guarda Nacional está a caminho do Congresso com “outros serviços federais de proteção”.
Contudo, segundo o Washington Post, o Departamento de Defesa havia negado um pedido da prefeitura de Washington para que a Guarda fosse empregada na defesa do prédio.
Hoje, o departamento é liderado pelo secretário interino Christopher Miller, um aliado de Trump que assumiu o cargo em novembro.
Jornalistas e parlamentares que acompanHaram a situação afirmaram ser evidente que a polícia precisava de reforços para lidar com os manifestantes, mas a ajuda da Guarda Nacional — que foi empregada nos protestos contra o racismo no ano passado — não chegou. Agora, o Pentágono confirmou o envio das tropas.
DISSE TRUMP – Mais cedo, Trump fez três publicações no Twitter: uma atacando o vice, Mike Pence, que se recusou a seguir suas ordens e derrubar os votos do Colégio Eleitoral (“Mike Pence não teve a coragem de fazer o que deveria ser feito e proteger nosso país e Constituição”). Em duas outras mensagens, pediu que seus apoiadores agissem de forma pacífica e respeitassem as forças de segurança.
Em nenhum momento ele condenou a invasão do Congresso ou pediu que todos voltassem às suas casas. Já o seu vice, Mike Pence, pediu que todos os protestos sejam interrompidos imediatamente, e afirmou que todos envolvidos na violência serão processados.