Dora Kramer
Não é necessário um grau muito apurado de observação para notar algo de esquisito na opção preferencial do presidente Luiz Inácio da Silva pela candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff. Qualquer um, profissional ou amador, ao menos desconfia de que Lula já tenha percebido que a “companheira” não é do ramo nem tem a veleidade de vir a ser.
Os mais atentos lembram-se de um raciocínio, várias vezes repetido pelo presidente, dizendo que o nome de sua escolha para concorrer à sucessão não seria anunciado com antecedência porque isso significaria expor o pretendente aos efeitos do sol e do sereno, “queimando” suas possibilidades.
Em meados de 2007, Lula dizia o seguinte: “Quando você cita um nome com antecedência você está queimando esse nome. Primeiro, você queima internamente, com os possíveis pré-candidatos; depois, na base aliada com os candidatos dos outros partidos e, finalmente, os adversários e a imprensa colocam uma flecha direcionada para ele 24 horas por dia. Por isso, penso que o nome deve ser mantido sob segredo de Estado.”
Seis meses depois (em fevereiro de 2008) e quase três anos antes da eleição, Lula contrariou as próprias palavras – lançando a “mãe do PAC” na pista de testes –, mas talvez não tenha contrariado o próprio pensamento.
Cumpre lembrar que àquela altura não se falava em candidatura governista. Só a oposição ocupava esse espaço. Lula precisava ocupá-lo também, sob pena de já no meio do segundo mandato passar a impressão de fim de festa, deixando que os adversários representassem desde então a tão idolatrada expectativa de poder.
Ademais, era preciso criar uma perspectiva eleitoral para 2010, a fim de enfrentar a eleição municipal de 2008. Um parêntese: na qual ficou comprovada a limitada eficácia da transferência de votos pura e simples.
Os petistas credenciados anteriormente para o posto de candidato a presidente haviam sido obrigados a se retirar de cena por causa de escândalos. Uma alternativa fora do PT, como Ciro Gomes, do PSB, não soaria agradável aos ouvidos petistas, haveria reação.
A solução Dilma apresenta-se, então, perfeita para a circunstância: é filiada ao partido, priva da confiança integral do presidente, tem por ele a fidelidade dos burocratas e, mais importante, nada a perder.
Do ponto de vista da ocasião e do objetivo, deu tudo certo. A cena da oposição foi tomada pela ministra da Casa Civil. Como quase tudo o que vem de Lula, a despeito da ausência de lógica naquela candidatura, muita gente comprou o peixe tal qual ele era vendido. Inclusive, justiça seja feita, por falta de opção à vista.
Agora que Dilma deixa bem claro ao que não veio e que Ciro Gomes se apresenta para o que der e vier, fica muito mais fácil para Lula corrigir o rumo da sucessão. Mas, não agora. Só mais à frente, na hora certa.
Roubada
Sob qualquer ângulo que se olhe, é difícil perceber como o Brasil poderá se sair bem do embate em Honduras. Hospedeiro de uma parte, o país não será reconhecido pela outra, como negociador.
Teria chance de sair como herói da resistência, mas, para isso, Manuel Zelaya, o presidente deposto, precisaria ser um anjo de candura democrática, o que não é o caso. Seria necessário também que o governo de facto fizesse uma agressão direta ao Brasil, coisa que o ocupante da Presidência, Roberto Michelletti, já avisou que não fará.
“Se Zelaya quiser viver ali (na embaixada brasileira) por 5 ou 10 anos, não temos nenhum inconveniente”, disse, demonstrando disposição de vencer pelo cansaço. Além disso, há as eleições marcadas para 29 de novembro. Uma vez empossado o eleito em janeiro, é de se perguntar o que fará o Brasil com seu hóspede.
De cima
Os recentes recuos do prefeito Gilberto Kassab – seja no corte de uma refeição nas creches, por orientação nutricional, seja na redução nos contratos de limpeza pública, sabe-se lá qual a razão – foram determinados pela reação do governador José Serra.
Serra não assume a candidatura, mas não dá um passo nem permite que os aliados façam quaisquer gestos que, na visão dele, possam render prejuízos eleitorais.
Caso de polícia
Depois de insultar o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e anunciar que se tivesse chance o “estupraria em praça pública”, o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, divulgou nota pedindo desculpas “na hipótese de (suas declarações) terem gerado ofensa ao ministro”.
O problema mais grave não foi nem o agravo ao ministro que, de resto, se defendeu bem, mas a ofensa que o governador fez ao Código Penal ao fazer apologia de um crime. Coisa que evidentemente não se resolve com um pedido de desculpas.
Fonte: Gazeta do Povo
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