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sábado, setembro 26, 2009

1966: o que escrevi sobre a violenta injustiça da minha cassação. Num jornal apreendido, num livro que jamais circulou. 43 anos depois, uma história vivida numa ditadura esquecida e protegida.



Minha cassação foi considerada por unanimidade, entre civis ou militares, como a maior injustiça do governo Castelo, ou melhor: como uma vingança pessoal do ex-presidente. Sem nenhuma justificativa, sem poderem me classificar como corrupto ou subversivo, minha cassação se juntou a tantas outras injustiças praticadas pela “revolução”, mas essas consumadas no calor dos primeiros momentos, naqueles dias de agitação e de adesões precipitadas, quando os próprios objetivos”revolucionários” ainda não estavam identificados. Mas a minha cassação foi feita 1 ano depois do furor cassatório já ter passado, 4 dias antes de uma eleição em que os menos otimistas previam que eu ultrapassaria os 100 mil votos, e 25 minutos depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal garantindo a minha candidatura, impugnada pelo governo “por defeitos na ata”, e 24 horas depois desse ato infame, injusto e de pura vingança, eu publicava o artigo que agora transcrevo. E transcrevo para que se veja que ele era mais contundente e duro do que os dois artigos que publiquei depois da sua morte, como contundente, dura e implacável foi a oposição que lhe movi durante todos os seus 3 anos de governo. Comparem e vejam que meus artigos de 19 e 20 de junho de 1967, depois da morte do “presidente” Castelo Branco, não têm a menor importância diante de tudo que eu disse dele quando ele era o mais poderoso “presidente” de toda a História brasileira.
* * *
Pela segunda vez eu ganho no Supremo Tribunal Federal, para honra minha e principalmente da dignidade e da independência dos Poderes. Na primeira vez, em julho de 1963, quando a opressão do despotismo procurava me roubar a liberdade. Fui então devolvido à vida e à família por uma decisão do Supremo Tribunal Federal e pela ação indômita e indomável do ministro Ribeiro da Costa.
Agora, quando a opressão também do despotismo e da boçalidade procurava impedir a minha candidatura, foi outra vez um ministro do Supremo Tribunal Federal (um tribunal que está sempre presente nas melhores páginas da História brasileira) que reconheceu o meu direito, que determinou o registro da minha candidatura, que de público afirmou que não se tira de um cidadão, nas vésperas de uma eleição, o seu legitimo direito de ser julgado pela opinião publica, que era apenas o que eu exigia. Desta vez a dignidade e a bravura do Supremo Tribunal Federal foram representadas pelo ministro Eloy Rocha, novo ainda, nomeado não faz muito tempo, mas já imbuído por aquele ar de grandeza e grandiosidade que tanto impressionava Rui Barbosa.
Mas infelizmente a decisão do Supremo só teve duração por escassos 25 minutos. Pois assinada a decisão do ministro Eloy Rocha às 13:30, às 13:55 o sr. Humberto Castelo Branco tomava conhecimento da decisão e resolvendo atingir muito mais o ministro e o Supremo do que a mim, imediatamente resolvia me incluir na lista de cassação que já estava pronta para ser publicada. Eram 17 nomes, passaram a ser 18. Mais um ou menos um não tem importância para quem já cometeu tanta indignidade, tanta barbaridade, para quem faz do insulto à Lei e à Ordem a razão maior da própria miserável existência. Pois é miserável toda existência sem amor, e sem o calor da amizade.
Esse decreto de cassação dos meus direitos, assinado pelo Sr. Humberto Castelo Branco, é o corolário de uma longa luta dos traidores da “revolução” contra mim e contra a minha voz que não há sedução que abafe, não há intimidação que silencie, que não há ameaça que possa calar. Não tenho o menor gosto pela encenação ou pela bravata, mas posso dizer, como Bernard Shaw, que paguei e continuarei a pagar o preço exigido pelo meu direito de dizer a verdade. Doa a quem doer, fira a quem ferir, atinja a quem atingir, mesmo ou principalmente se for poderoso.
Nem se diga que o “presidente” assinou um ato com raiva, revoltado ou dominado pela exasperação. Já estava tudo preparado. E tanto isso é verdade que 24 horas antes da decisão do Supremo Tribunal Federal o irresponsável chanceler que é o Sr. Juracy Montenegro, encontrando o jornalista Ibrahim Sued num jantar, afirmou-lhe a respeito do meu caso: “Não faz a menor diferença a decisão do Supremo no caso do jornalista Helio Fernandes. Se ele ganhar no Supremo o presidente imediatamente cassará os seus direitos políticos para que ele não seja candidato”. Era verdade, e talvez pela primeira vez na vida o chanceler não estava mentindo.
O objetivo da minha cassação era impedir a eleição. Os institutos de pesquisa de opinião pública, as velhas raposas eleitoreiras, todos os que participam do processo eleitoral da Guanabara, sabiam que eu iria ter uma votação espetacular e caminhava mesmo para ser o mais votado da Guanabara, repetindo a votação estrondosa que o Sr. Carlos Lacerda tivera duas vezes consecutivas. E isso o governo não podia permitir por dois motivos principais: 1- Que a mesquinhez do Sr. Castelo Branco não pode admitir a vitória de ninguém, principalmente junto ao tribunal da opinião pública, tribunal ao qual ele jamais ousou ou ousaria se submeter. 2- Porque evidentemente a minha consagração eleitoral seria debitada ao desprestígio do Governo, pois o povo iria votar em massa em quem não poupou nunca este Governo, que denunciou-lhe sempre as traições ao interesse nacional, que não hesitou nunca quando se tratava de revelar a monstruosidade do seu comportamento em relação ao patrimônio deste país, dilapidado e miseravelmente roubado com a colaboração, a conivência e a participação de quase todo o Governo do “presidente” Castelo Branco, com as possíveis exceções de praxe, exceções nas quais certamente não se pode inscrever o próprio chefe de Governo.
Eu precisava ser cassado, silenciado, amordaçado, para que este Governo tivesse mais tranquilidade e continuar o seu restinho de tarefa que é o de vender a retalho e a granel o pouco de patrimônio que nos resta, pois o resto já é propriedade dos trustes internacionais. E na verdade, a minha cassação é uma derrota imposta ao sentimento nacionalista, a este nacionalismo autêntico que está latente e domina o povo brasileiro, que já compreendeu que sem nacionalismo não há desenvolvimento, que sem desenvolvimento não há progresso, que sem progresso não há enriquecimento do País, e sem o País enriquecer não pode haver enriquecimento de ninguém, a não ser alguns privilegiados. Em suma: fui cassado pelos trustes estrangeiros, que viam em mim um inimigo incômodo, que era preciso calar de qualquer maneira.
Mas tenho a impressão que infelizmente (este infelizmente é para os trustes e para o Governo) ainda agora não atingirão os seus objetivos. Pois não tomo conhecimento de atos arbitrários e baseados apenas na vontade pessoal de um ditador enlouquecido e ensandecido, que usa o País inteiro como arena para satisfazer a sua auto-idolatria e o seu egocentrismo autocrático e delirante.
A História dos povos e das nações não se escreve com a covardia dos que se entregam e sim com a bravura e a intrepidez dos que resistem.
Não aceito, não acato, não admito, não reconheço e não ratifico a empulhação praticada por meia dúzia de cretinos, que assaltaram o Poder se aproveitando do descuido de alguns idealistas.
Já disse há muito tempo, já afirmei e reafirmo agora: não é a simples assinatura de um farsante que pode atingir ou derrubar um homem com as minhas convicções. Além do mais, meus atos e minhas ações não podem ser julgados por um Castelo Branco qualquer. Eles serão julgados por um tribunal altíssimo, que o Sr. Castelo Branco jamais conheceu, e que é constituído por minha mulher, pelos meus 5 filhos menores. Podem dizer aos meus filhos que seu pai foi ameaçado pela violência e pela arbitrariedade, mas o que não dirão jamais é que o pai deles se rendeu ou se entregou sem luta.
Continuarei a escrever aqui mesmo, continuarei a dirigir este jornal e esta empresa, continuarei a manter esta ilha de liberdade enquanto me sobrarem forças para isso. E livre ou encarcerado continuarei a protestar contra a quadrilha que a soldo de grupos estrangeiros pretende escravizar e espoliar eternamente este País, que sem o assalto desses grupos já seria a potência mundial com que todos sonhamos.
Contra mim não basta um simples decreto. Não me asilo, não me exilo, não fujo, não me entrego. Só sei viver neste País onde nasci, pois aqui é que estão as minhas esperanças, as minhas ambições, os meus objetivos, a minha família e todos os que dependem de mim e dos quais eu dependo também. Portanto, desistam da esperança de que podem me pressionar ou me intimidar até que eu “alugue” espaço numa embaixada.
* * *
PS- A eleição era no dia 15 de novembro, fui cassado no dia 11, a campanha terminava no dia 12. À noite do dia 11 me telefonou Mario Martins, (excelente figura, candidato a senador, foi eleito) disse: “Helio, o nosso comício final está marcado para amanhã na PUC, logicamente com você. Estamos te esperando”. Fui, lógico.
PS2- na porta, me esperando, o Reitor, Padre Laércio. Falou: “Helio, estão aí dois coronéis, que disseram que você não pode falar. Respondi que não recebo ordens deles e sim dos meus superiores da Igreja, disseram que eu resolvo”.
PS3- Resposta do repórter: “Padre Laércio, se o senhor garante meu direito de falar, já devíamos estar no palanque”. Fiz o mais violento discurso da minha vida. Ao sair, os dois coronéis me prenderam, me levaram, me cassaram, me proibiram de escrever e de dirigir o jornal.
PS4- É a primeira vez que conto esta história. Ou que publico o artigo sobre a minha cassação.
Fonte: Tribuna da Imprensa

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