Tribunal anulou interceptações telefônicas de dois anos
Ministros consideraram que o prazo dilatado ‘fere’ a lei
Decisão abre precedente inédito no âmbito do tribunal
Em decisão sem precedentes, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou nesta terça (9) grampos telefônicos feitos pela PF com autorização judicial.
A decisão, unânime, foi tomada em julgamento realizado na sexta turma do STJ. Os ministros consideraram que o prazo da escuta (mais de dois anos) feriu a legislação.
O efeito prático da decisão foi a anulação da condenação de dois empresários encrencados no caso Banestado.
Pertencem ao Grupo Sundown. Chamam-se Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern.
Em sentença de novembro de 2006, Isidoro fora condenado a cinco anos, nove meses e dez dias de reclusão.
Rolando amargara condenação de dez anos, um mês e dez dias de reclusão. O crime: operações fraudulentas de importação, com graves prejuízos à fiscalização tributária.
Desde a condenação, a dupla de empresários encontra-se foragida. O STJ determinou que o processo retorne à primeira instância do Judiciário.
Os autos terão de passar por uma revisão. Serão extraídas de suas folhas todas as provas escoradas nos grampos que foram anulados.
Em nova análise, a Justiça Federal terá de verificar se sobram outras provas que justifiquem nova condenação.
A decisão do STJ é inédita. E abre um perigoso precedente. Que deve ser usado em outros processos.
Reza o artigo 5º da lei 9.296, de 1996, que as escutas telefônicas, cuja duração é de 15 dias, podem ser prorrogadas por igual período.
Até aqui, prevalecia no STJ o entendimento de que as interceptações podiam ser renovadas indefinidamente, de 15 em 15 dias.
A decisão da sexta turma do tribunal altera essa lógica. Se levada ao pé da letra, os grampos legais só poderiam durar 30 dias.
É algo que não ocorre na maioria dos inquéritos. Na Operação Satiagraha, por exemplo, Daniel Dantas e seu grupo foram grampeados por mais de dois anos.
A sessão da sexta turma do STJ desbordou para a crítica coletiva aos supostos abusos cometidos pela PF e pelo Ministério Público na excução de grampos.
O ministro Paulo Gallotti, que pedira vista do processo julgado nesta terça, abriu o rosário de críticas:
“Não podemos compactuar com a quebra de um valor constitucional. Dois anos é devassar a vida desta pessoa de uma maneira indescritível. Esta pessoa passa a ser um nada.”
A ministra Maria Thereza de Assis Moura defendeu a fixação de limites claros à escuta. Acha que disso depende a segurança no Estado democrático de direito.
A desembargadora Jane Silva, convocada para atuar no STJ, disse que o grampo não pode fugir aos limites do razoável: “É uma devassa proposital à privacidade de alguém.”
O ministro Nilson Naves, presidente da sexta turma e relator do processo, ecoou: “Haveremos de pagar um preço para que possamos viver em condições democráticas. Que tudo se faça, mas de acordo com a lei.”
Ou seja: numa Brasília sacudida pela suspeita de monitoramento ilegal de autoridades, o STJ informa ao país que nem mesmo as escutas legais estão imunes a questionamentos.
Nesse diapasão, corre-se o risco de inviabilizar uma ferramenta que tem se mostrado valiosa, muito valiosa, valiosíssima na apuração de malfeitorias públicas e privadas.
Escrito por Josias de Souza
Fonte: Folha Online
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