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terça-feira, abril 25, 2023

Bolsonaristas rebaixam a ‘instituição’ CPI ao usá-la como ferramenta de jogo político

 

As CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) são um instrumento excepcional à disposição do Legislativo para o exercício da fiscalização e do controle sobre o Executivo. A Constituição (artigo 58) diz que, “se for o caso”, as conclusões obtidas pelas comissões devem ser encaminhadas “ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.

Talvez a função mais nobre das comissões parlamentares de inquérito seja jogar luz sobre os pontos nebulosos aos quais as investigações policiais, conduzidas ou acompanhadas pelos procuradores da República ou pelos promotores de Justiça, não conseguiram – ou não quiseram, até por razões políticas – chegar. A CPI da Covid, em 2020, foi um exemplo de como o Congresso pode auxiliar quando outras instituições, como a PGR (Procuradoria Geral da República), deliberadamente se omitem. Uma CPI pode ser bem-vinda quando agir simultaneamente ao trabalho do MP, da polícia e dos outros órgãos de controle. Por exemplo, ela costuma ser mais rápida na quebra dos sigilos telefônicos, bancários e fiscais. Ao colocar um investigado em evidência, a CPI também atrai mais atenção do público e da imprensa e, com isso, pode chegar a realidades encobertas e antes sequer imaginadas.

Por outro lado, se uma investigação policial ou do MP, sob a supervisão do Judiciário, já está bem avançada, com vários desdobramentos e até denúncias formalizadas aos juízes, quando há até pessoas presas, faz pouco sentido que o Congresso mobilize dinheiro, servidores e estrutura para repetir o trabalho. Quase certo que chegará às mesmas conclusões dos outros órgãos.

O desperdício de recursos públicos só se explica pelo uso inconfessável das CPIs como ferramenta do jogo político. No Brasil, depois de 21 anos de inverno sombrio da ditadura militar (1964-1985), já houve CPIs dos dois tipos: as que agregaram genuinamente ao conhecimento geral sobre um fato determinado, tal como a CPI de PC Farias, que está na origem no impeachment do então presidente Fernando Collor (1992), e as que representaram a pura perseguição ideológica. Inconsequentes, autoritárias e vingativas, tais CPIs não iluminaram coisa alguma, pelo contrário, só confundiram. De quebra, enlamearam a imagem do Parlamento.

Como a CPI da Funai e do Incra (2016-2017), uma cruzada ideológica empreendida pela bancada ruralista contra antropólogos, indígenas, indigenistas e ativistas de organizações não governamentais. Era um trabalho tão vazio que a CPI teve de ser iniciada duas vezes, ganhando assim dois nomes, “1” e “2”. CPIs como essa buscam a coação e a humilhação das testemunhas e investigados. Elas se encerram em si mesmas, no “divertimento” proporcionado pelas sessões como um palco de comédia stand-up.

 

É nesse segundo campo que se encaixam as pressões de parlamentares bolsonaristas, ruralistas, evangélicos, policiais, militares de pijama, enfim de toda a plêiade autodenominada “conservadora”, para que seja instalada uma CPI Mista sobre o 8 de Janeiro. É um típico caso da degradação do instrumento da CPI. Por extensão, do Poder Legislativo. De certa forma, é a continuidade do ataque às instituições feito naquele segundo domingo de 2023.
 
A CPI do Golpe – todo nome diferente desse já será um mascaramento dos fatos – poderia ser muito válida se tivesse sido instalada logo depois dos acontecimentos. Ajudaria muito se tivesse o objetivo de revirar os segredos da inteligência militar, uma área absolutamente desconhecida pelos brasileiros e que roda inteiramente abaixo dos radares do escrutínio da cidadania. Seria importante verificar tudo o que ocorreu nesse setor nos últimos quatro anos de Bolsonaro, que tipo de “informação de inteligência” foi produzida sobre os acampamentos golpistas nas portas dos quartéis e se atuou contra grupos políticos e sociais da oposição a Bolsonaro. Mas os bolsonaristas da CPI certamente não mexerão nesse vespeiro porque seria atingir os humores das Forças Armadas. Como nós sabemos, os políticos brasileiros de um modo geral são extremamente generosos e condescendentes com os militares, ainda mais se integram a mesma empreitada golpista.

A oposição bolsonarista deverá concentrar seus ataques ao papel do general Gonçalves Dias, defenestrado do cargo de ministro do GSI na semana passada após o canal de televisão CNN ter divulgado vídeos – fora da ordem cronológica – até então mantidos em sigilo pelo GSI. Os brasileiros deveriam se perguntar se o país precisa de uma CPI para isso, se não seria como usar um canhão para caçar um passarinho.

Fica mais ou menos explícito que o alvo maior da oposição na CPI é o próprio Lula. Na cabeça terraplanista dos bolsonaristas, se conseguissem provar que Lula teve algum papel nos ataques do dia 8 de Janeiro estaria aberta a porta para um processo de impeachment. Mobilizariam sua base no Congresso para repetir o processo político ao qual foi submetido a então presidente Dilma Rousseff em 2016 com apoio do seu vice, Michel Temer.

É nesse contexto que merece atenção o impressionante texto de “bastidores” da política, ou seja, uma apuração com fontes em “off”, divulgado pela coluna política do site “Último Segundo” na última sexta-feira (21). A coluna disse que parlamentares “de oposição e ligados ao PSDB” fizeram uma “sondagem” com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), para saber se ele aceitaria assumir a Presidência no caso de um impeachment de Lula. Alckmin teria interrompido imediatamente a conversa e lembrado que “o presidente é Lula”. Os interlocutores teriam saído “frustrados” do encontro.

Infelizmente Alckmin não veio a público até o momento para confirmar ou negar a conversa e muito menos revelar os nomes desses parlamentares conspiradores. Prestaria um grande serviço à democracia. E seria importante apurar se eles estavam em algum tipo de “missão” autorizada pela oposição.

Por tudo o que já foi largamente noticiado e investigado pela Polícia Federal e por uma CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal, a chance de se encontrar qualquer elemento real, não ilações irresponsáveis sem pé nem cabeça, que “relacione” Lula aos ataques de 8 de Janeiro, de forma direta ou indireta, é zero. O governo Lula foi a vítima. Bolsonaristas diziam abertamente que o eleito “não subiria a rampa”. Pretenderam criar um caos social que justificasse um golpe militar. Tentou-se até um atentado a bomba no aeroporto de Brasília. Com o fracasso da “tese” da oposição, restará a ela, na CPI, fazer recortes maliciosos das sessões a fim de animar sua plateia nas redes sociais com mais memes, desinformação e fake news. Triste uso da “instituição” CPI.

 

Rubens Valente 
rubensvalente@apublica.org

Colunista da Agência Pública

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